quinta-feira, 11 de agosto de 2011

CARTA FAMILIAR

Caro(a)   leitor(a):

                           Acompanhe-me, viajando comigo nas asas da recordação, a um estabelecimento hospitalar de Curitiba,  onde, em 2002, fui internado em caráter de urgência, e submetido a uma cirurgia de coração. Inadaptado a situações dessa natureza, era natural que me afligissem  as incertezas do momento.  No entanto, não me faltaram o apoio e a solicitude dos familiares e dos amigos, particularmente de meu irmão Mussi( que saudade!) que me deu  toda a cobertura, principalmente  logística, de minha filha que veio   de Belo Horizonte e me visitou quando ainda me encontrava na UTI, de meu neto Gustavo com as visitas constantes e a carta que transcrevo abaixo, que me comoveu até as lágraimas e levantou o meu ânimo alavancando a minha recuperação. No pós operatório, como não  falar dos cuidados carinhosos de minha mãe(ainda na vida física) juntamente com minha irmã Laila e uma servidora que me hospedaram enquanto a minha convalescença estava em curso? Do meu amigoe e confrade Sílvio que  em Paranaguá mobilizou doadores de sangue para repor no estoque o que por mim foi utilizado na cirurgia..? Foram tantas as manifestações de amizade que recebi que, não nominando todos estou receando cometer injustiças. De qualquer modo me questionei várias vezes;será que eu merecia tanto? Mas vamos à carta de meu neto:


 De neto: Gustavo Daher     Para avô José Daher       
                                                                                                                                            
         Curitiba, 26 de maio de 2002.
                                                                                                                
Querido avô:

                   Estou escrevendo esta carta em um momento muito delicado da sua vida, mas saiba que eu já estava com planos de escrevê–la há alguns dias atrás, justamente para me desculpar por não ter ido passar uns dias em Morretes, com o senhor, como havia prometido. Perdão meu vô, de coração fiquei muito sentido por ter dado  essa  “mancada”consigo, é que fiquei me enrolando em Curitiba e, no final das contas acabei indo só  a B.H.para visitar os mineiros,(*) já que minha promessa com eles  durava já três anos. Bem, só não fiquei pior por ter certeza de que haverá outras oportunidades de nos encontrarmos em sua cidade, passar bons dias andando de caiaque, tomando chimarrão e batendo papo.
                   Sem querer me alongar muito em   minhas desculpas, por conhecer e admirar muito o seu caráter compreensivo, quero lhe falar de algo curioso, como muitas coisas que acontecem com a gente.  Como eu disse, já estava pensando  em lhe escrever há uns dias, e não ia ser só para  me desculpar, mas também por achar que o senhor deveria “ouvir” algumas coisas de mim. Em um primeiro momento pensei te escrever por “e–mail”, coisa rápida, fácil e prática que não requer muito esforço. Ora vô, já conversamos bem sobre isso, sabemos que o preço pago pela tecnologia por tamanha praticidade nos meios de comunicação é torná–los cada vez mais artificiais e abstratos. Pensando assim mudei de idéia, achei que uma mera mensagem virtual seria algo muito tolo para uma pessoa especial e importante para mim. Resolvi então fazer algo bem original, como sentar–me diante de uma folha de papel, caneta  à mão,  e com muita calma refletir sobre o meu destinatário, para ir expressando os meus pensamentos à letra corrida, com especial dedicação. O curioso vem agora: justamente quando eu estava em minha escrivaninha pensando no senhor para lhe escrever uma carta, recebo a notícia de sua inesperada situação.  Na hora me assustei!  Pegou–me de surpresa a informação de ter um vô tão saudável e disposto hospitalizado. Procurei então me informar melhor, daí fiquei um pouco mais tranquilo e certo de que nada de ruim poderia acontecer. Eu tinha agora mais um estímulo para escrever–lhe uma carta.
                   Vô querido, considero demasiado complicado, para não dizer impossível, transformar em  palavras a forte estima que tenho pelo senhor. Mesmo assim vou tentar alguma coisa, pois sei que para o senhor – um “amante das letras” (um dos nossos pontos em comum) – valerá alguma coisa.
                   Sempre apreciei muito o seu jeito modesto e simples de tocar a vida, sem aquela pressa adoidada, que metade das pessoas tem, e nem aquele comodismo preguiçoso, que caracteriza a outra metade . Eu sempre o vi como uma pessoa muito ativa, e me admiro muito em ainda vê–lo trabalhando sem parar,  escrevendo, pedalando e passeando de pranchão. Sinceramente vô, penso em chegar na sua idade e ser assim, um espelho do senhor. Às vezes sinto um certo orgulho de chegar para os meus amigos e falar: “...tenho um vô lá em Morretes que tem uns caiaques e uma prancha de “windsurf”, ele vive navegando pelo rio que corta a cidade.”  Eu até conto sobre suas engenhocas  de fazer vela com guarda–chuvas e lençol e o pessoal dá risada.  Me impressiona muito a sua conduta  nas mais diversas situações: sempre muito calmo, tranquilo e sensato; e digo isso por nunca ter te visto alterado, perdendo as estribeiras.  Além do que sabe brincar, sabe aproveitar todos os momentos divertidos para soltar umas cômicas risadas. Valiosa qualidade essa, que faz bem ao seu humor e te torna uma pessoa muito agradável. Contempla–me muito também vô, o seu atributo de ser um homem de alma e ouvidos abertos sempre para  ouvir a opinião alheia, sem demonstrar intransigência alguma, procurando entender o ponto de vista do outro e, caso não concorde, rebater com sutileza.  Sabemos mais do que ninguém vô o quanto nos identificamos,  como conseguimos nos entender perfeitamente em nossas conversas, como aprendemos muitas coisas um com o outro.  Posso te dizer ainda que o senhor é a única  pessoa com a qual nunca me  enervei ou tive qualquer tipo de decepção, e olhe que te conheço há um bom tempo hein... A forma como o senhor trata a mim e aos
seus outros netos eu considero de uma  autenticidade ímpar:  nunca esquece de ligar, aparecer e dar atenção sem cobrar nada em troca.  Esse detalhe a mim significa muito, mais do que um sentimento forte e legítimo.  A sua vitalidade, meu ilustre professor, o seu ânimo sempre muito vivo,é outra qualidade que aprecio muito no senhor.  Se eu fosse levar em conta apenas o modo como eu o percebo em todos os momentos, nunca diria que um dia o senhor ficou triste, desamparado ou coisa que o valha.  E isso porque o senhor nunca se mostrou assim, nunca transmitiu qualquer sentimento de desânimo. Mas a razão que mostra que todos os homens, de um modo ou de outro, acabam sofrendo. O difícil aí é não demonstrar isso,  e ser um homem sempre complacente e simpático como é você.
                   Enfim, poderia ficar horas pensando no senhor que não cansaria de encontrar  predicados dos mais valiosos, seria até capaz de escrever uma “ biblia”com ela.São todas a estas  suas qualidades que me fazem ter um sentimento todo especial pelo senhor, dos mais requintados que uma alma humana pode ter. Só pude  aqui relatar o que alimenta tal sentimento, pois me vi na incapacidade de comentá–lo diretamente, de transformá–lo em palavras.
                   Por fim vô, quero que o senhor, depois de passar por essa etapa importante da sua vida, volte com sua vitalidade reforçada, cultivando todos os predicados que te fazem uma pessoa tão amável.
                   Com muita estima e admiração
                            Do neto
                                                        Gustavo Daher(**)

(*) Os mineiros são: minha filha Marisa (mineira por adoção) meu genro Odilon e meus três netos, Bruno,Luciano e Taís. Moram em Belo Horizonte.

(**)  Gustavo, filho do Maurício, meu filho, falecido em 1989. Gustavo é professor de Filosofia, dividindo suas atividades de magistério, entre Curitiba e Morretes. Mora em Curitiba, juntamente com a mãe, minha nora Cristina e com o irmão mais velho Leonardo, este, atualmente na Nova Zelânia  com atividades ligadas ao mergulho esportivo e ao turismo. .

2 comentários:

  1. Querido Nazir.
    Feliz da vida quem recebe uma carta como esta vindo de um neto como o Gustavo, em um momento tão difícil e tão fragil em que estava passando, foi uma alavanca para ter forças, juntamente com o apoio dos amigos e familiares, que te fortaleceram, renovaram para vc continuar...
    muitos e muitos anos entre nós.
    Sei que está vivendo os melhores anos da tua vida,
    é o que sempre me diz....vc é muito importante para tds nós.
    Te amo Zelinda.
    Com carinho Zelinda

    ResponderExcluir
  2. Olá Nazir
    A carta do Gustavo é linda, ele é muito simpático - poucas vezes estive com ele, mas dá prá saber que é dos bons.
    Parabéns para vocês dois que têm um ao outro.
    Abraços
    Ligia

    ResponderExcluir