UM LEGADO DO RECANTO FRATERNO
Legado, segundo os dicionários, é uma dádiva deixada em testamento. No
sentido próprio, bens materiais recebidos como herança. No sentido figurado,
algo que beneficia o espírito como um aprendizado, uma experiência que deu
certo, ou até mesmo sentimentos como o amor que passamos a sentir pelo trabalho
que realizamos, as ligações afetivas que nos prendem,
não só às pessoas atendidas como a companheiros que trabalham conosco.
O
legado que recebemos do Recanto Fraterno, e do qual trataremos nesta postagem
foi, entre muitos outros, uma
experiência no setor da construção civil, quando tivemos
que substituir as três primeiras casas do Recanto, que eram de madeira, estavam muito
estragadas e deveriam ser demolidas para
que no lugar delas, fossem construídas outras, agora em alvenaria. No
planejamento das casas, a não ser pela área um pouco maior, e pela
cobertura da qual falarei mais
adiante,quase tudo foi reedição das casas anteriores de madeira: mesmas
disposições nas divisões internas,casas sobre pilotis para dar altura e evitar
a invasão das águas nas enchentes. Na cobertura a grande inovação. Em lugar da
armação de madeira para sustentar vigas, caibros e ripas, uma lage mista com
inclinação de 10% assentada nas paredes de alvenaria, tendo por cima uma camada
de massa de cimento com impermeabilizante e no bojo tubos flexíveis para os
fios elétricos. Como, pelo menos naquele tempo eu ainda não vira nada igual por
aqui, fiquei com a cabeça cheia de dúvidas. Daria certo? Não seria temeridade entrar numa modalidade
de cobertura ainda inédita em nosso município?
Por felicidade tínhamos um engenheiro em nossa Diretoria. E aproveito o
ensejo para falar dele que integrou os
Conselhos Fiscal e Deliberativo da
instituição entre os anos de 1994 e 2005. Trata-se do meu amigo Francisco Aurélio do Nascimento
Abdnor que além de profissional competente revelou-se um grande companheiro
pela firmeza e serenidade com que emitia seus pareceres nas questões administrativas.
Foi dele que recebemos o aval para as coberturas além da supervisão nas obras
que seriam realizadas e dariam ao Recanto as feições que tem hoje. Eu
particularmente tenho com ele uma grande amizade tanto quanto tinha com o pai
dele, também nosso colaborador por muitos anos, o saudoso Aurélio. Graças ao
Francisco que divide comigo a paternidade do modelo,as onze casas do Recanto
estão a disposição de quem queira
conhecê-las. Caracterizam-se pela robustez(se é que posso usar o termo) isso
porque, qualquer pessoa que as veja, atesta isso, desde que atente para os detalhes: ausência de madeira
na cobertura o que por si só garante durabilidade para a construção dada a
impossibilidade de se abrirem
goteiras, a primeira porta
aberta para a depreciação de uma casa. Sobre o assunto escrevi dois artigos com os títulos “ Esta casa tem
goteira (I) e (II), publicados no “Jornal do Leste”, nas edições de outubro e
novembro de 1997, respectivamente. O órgão circulou no litoral na década de 90
e tinha a frente o valoroso Gilberto Gnoato, outro cidadão que se encontra no
rol de meus amigos. Abaixo transcrevo a
primeira parte deixando para a próxima postagem a segunda.
Esta casa tem goteira (I)
A
canção que certamente todos conhecem e que ganhou tanta popularidade, retrata
fielmente as situações pelas quais muitos de nós já passamos. Por incrível que
pareça, apesar do progresso que se fez na área da construção civil, com novos
materiais e novas técnicas, a cobertura continua sendo, até hoje, a parte mais
frágil de uma casa.
Levantamos
paredes externas e internas, à prova das sacudidelas dos vendavais, mas, para
cobrir, metemos caibros e ripas, e por cima, uma tênue cobertura de telhas de
barro ou fibro-cimento. E aí, uma lista de pequenos acidentes, dão origem ao
pinga-pinga tormentoso: é o vento forte que arranca as telhas,
esfrangalhando-as ainda em cima ou estatelando-as no chão, é a pedra que o
moleque atirou e vai cair sobre o nosso telhado produzindo avarias, é o
material de qualidade inferior que inadvertidamente adquirimos e que depois,
por diferenças de bitola não se ajusta, ou ainda, no caso das telhas pregadas
ou parafusadas, as rachaduras, porque, com as diferenças de temperatura o
material “trabalha.”
Numa
casa onde, a cada chuva as goteiras se tornaram rotina, situações tragi-cômicas
são vividas. Imagine o maridão dormindo profundamente. Lá pela madrugada desaba
o temporal e a esposa, de sono mais leve sacode-o e sussurra docemente : -
Amor, está chovendo, é preciso atender as goteiras.E lá vai o infeliz,
arrancado do leito quentinho
com cara de sono e de réu,(mais de réu do que de sono)
mobiliza rapidamente bacias, panelas, cubas e tudo o mais que possa aparar os
pingos indesejáveis. Instalados os “aparadores” tem início uma verdadeira
sinfonia de sons agudos e graves partidos dos recipientes metálicos, e o tom
choco dos recipientes de plástico, que vão embalar o sono interrompido do
inditoso dono da casa no seu retorno ao leito.
Você
já viu a “operação cabo de vassoura” ou dela já participou algum dia? Ela
acontece nas coberturas de telha francesa, com inclinação inferior a 50% e em
dependências não forradas. Como se sabe, a telha francesa tem canaletas para
que a água flua por elas. Com o tempo, resíduos orgânicos que flutuam na
atmosfera, aderem ao telhado, acomodam-se nas canaletas e obstruem-nas causando
o extravasamento e finalmente a goteira. Localizada esta, sempre na junção de
duas telhas, toma-se uma vassoura e com o cabo imprimem-se movimentos para cima
e para baixo até que, como num toque de mágica, o pinga-pinga cessa totalmente.
Explicação: o movimento provocou a desobstrução, a água fluiu novamente
pelacanaleta e a goteira acabou. Empirismo na construção, empirismo na solução.
Goteiras
levam os donos de uma casa a procurar os profissionais do ramo para
consertá-las. E daí ouvirmos, com muita freqüência, reclamações mais ou menos
nestes termos:- contratei um homem para tapar uma goteira, ele subiu no
telhado,tapou uma e abriu mais três. Agora, quando chove, a casa parece uma
peneira.
Incompetência
do profissional? Achamos que não. Os profissionais são como nós, vítimas do
empirismo. Imagine um homem, pesando entre sessenta e setenta quilos, pisando
em cima de frágeis telhas a procura de uma única quebrada. Até localizá-la,
engatinhando sobre uma superfície inclinada que lhe dificulta o equilíbrio, com
a maior facilidade poderá acontecer um pisão, uma escorregadela e o peso do
trabalhador em cima de uma telha já fragilizada pelo tempo. Quando encontra a
telha quebrada e a substitui, mal sabe ele que, sem o notar, já trincou meia
dúzia delas.
Quando
construímos nossas casas e as cobrimos com as tradicionais telhas de barro ou
de fibro-cimento, não nos damos conta de um fator sumamente importante: a
manutenção. Esquecemo-nos de que, por
mais ajustadas que estejam as telhas que
colocamos, um dia haverá quebra pelos acidentes que já mencionamos. E o que
acontece quando um profissional vai ao forro de uma casa para localizar e
descobrir a causa de uma goteira? Terá que caminhar sobre vigas porque no forro
não há um piso onde ele possa deslocar-se com firmeza; terá que locomover-se
agachado e até mesmo deitado porque o espaço entre o forro e o telhado é
mínimo; terá que desviar-se do emaranhado de fios que constituem a rede
elétrica da casa. Por isso, o tipo de cobertura e a armação deveriam ser
planejadas no sentido de atender o aspecto manutenção.
Nossos
telhados, variando sua forma através dos tempos apresentam-se hoje com telhas
de barro – francesas, capa-canal, portuguesas e romanas, com telhas de
fibro-cimento variando na espessura e na dimensão dos canais. Diríamos, numa
visão geral, que as chapas de fibro-cimento levam nítida vantagem sobre as
telhas de barro no tocante à funcionalidade. Elas são regulares, com encaixes
perfeitos entre uma e outra, não têm gretas onde a sujeira se acumule, permitem
um menor ponto de inclinação com economia no madeiramento da armação. As
modernas telhas de barro não obstante serem pesadas e exigirem uma estrutura
reforçada, portanto mais cara, tem a preferência de muitos por serem decorativas.
É tudo uma questão de escolha. Alguns esquecem o fator estético e dão
preferência à praticidade. Outros preferem o risco de um funcionamento
imperfeito em favor da beleza.