quinta-feira, 10 de maio de 2012


HISTÓRIAS DO RECANTO (III)



             Ano de 1981.  O Recanto Fraterno, composto ainda, em sua totalidade,  por casas de madeira , fazia um atendimento generalizado, de acordo com a orientação adotada pelos dirigentes, tanto  da  casa assistencial, como da Diretoria da entidade mater, a  União Espírita Jesus Maria José.  Assim, não apenas as famílias em situação difícil, por motivo de viuvez, eram atendidas, como também, mulheres com filhos, em situação de desamparo, levadas a essa condição por fatores acidentais(abandono da parte dos maridos e situação familiar precária nos casos da necessidade de socorro urgente).

            Em um dia que não posso precisar,  do ano de 1981,  à noitinha, recebi um telefonema. Era da Delegacia da Polícia Civil. Alguém daquela repartição me solicitava acomodação para uma família composta de mãe e quatro filhos menores. Narrou-me, em breve relato, o caso. Um indivíduo fora pilhado tentando roubar um carro. Surpreendido pelo próprio dono, fugiu, deixando para trás uma mulher e  quatro crianças. A versão sobre o delito e suas causas era de que o infeliz delinquente seria parceiro da mulher, queria voltar para Curitiba e daí para Santo Angelo no Rio Grande do Sul, de onde viera. Sem  meios para tal, intentara roubar o veículo  para retornar.  A tentativa de roubo e a fuga dele, para evitar a prisão com todas as suas consequências, gerou um mal-entendido que  deixaria a mulher e os filhos à mercê dos acontecimentos, os quais deveriam traçar na história daquela mãe  novos rumos à sua vida, até então bastante atribulada. Esse mal-entendido será desfeito nesta crônica, quando daremos a palavra à Dirlei, esse o nome da nossa personagem, para que ela dê a versão verdadeira de tudo o que aconteceu naquele  dia.

            O apelo que recebi, era para que, pelo menos por aquela noite, mulher e filhos fossem acomodados, a fim de evitar que passassem a  noite na Delegacia,  local totalmente inadequado para a permanência, principalmente de crianças. Felizmente tinhamos uma casa vazia e nela, Dirlei e os filhos foram acomodados. Isso foi há trinta anos. Impossivel portanto, guardar na memória os pequenos detalhes, embora possamos, por dedução, dizer que toda a assistência foi prestada para que a família, que entrava  para o rol dos nossos assistidos, pudesse dispor do  principal , para aquele primeiro momento: leitos e alimentação para todos.

            Acomodada numa das casinhas com os filhos, Dirlei, nos dias que se seguiram, examinando a situação e convencida de que, a curto  prazo, não teria como solucionar o seu problema de trabalhar para sustentar os filhos, e  morar pagando aluguel,  após consulta à Direção do Recanto, obteve permissão para  lá permanecer   por tempo indeterminado. Começou a trabalhar como diarista nas casas que lhe davam serviço e ainda em outros lugares, chegando também a prestar serviços em lavouras nos dias em que folgava no trabalho das casas.  Matriculou os filhos, todos em   idade escolar, nas escolas da cidade e prosseguiu na lida, incansavelmente, para que nada faltasse a eles.  

            Cinco anos se passaram. Com dois dos filhos já adolescentes, e ela trabalhando agora como doméstica mas com carteira assinada, e como fruto do entendimento com a Direção do Recanto Fraterno, Dirlei, resolveu que podia dispensar a assistência da instituição e alugar uma casa. Então com o apoio dos dirigentes do Recanto, conseguiu na rua Coronel Modesto uma,  cujo aluguel cabia no seu orçamento e fez a mudança.

            A partir daí, a família de Dirlei foi aos poucos se organizando, os filhos mais velhos começaram a trabalhar, mudou de casa duas vezes, suas três  filhas estão hoje casadas proporcionando a ela, depois de uma longa jornada e muitas batalhas vencidas, a satisfação de ver a família crescer com a vinda de sete netos. Conseguiu, pelas qualidades  reveladas persistentemente  nas tarefas que desempenhou, um emprego, desta vez numa empresa, lá trabalhando até se aposentar. Pela bravura com que enfrentou as adversidades,  sagrando-se a grande vencedora que nela reconhecemos, Dirlei  mereceria, sem favor nenhum, quando estamos há poucos dias de comemorar o Dia das Mães, o  título de mulher símbolo pois, como ela, dezenas, centenas, milhares de mulheres, têm assumido sozinhas os encargos familiares, porque os maridos ou companheiros sumiram. Por isso me sinto gratificado pela oportunidade destes relatos pois desse modo resgatamos a verdade em torno da vida dessa valorosa mulher ao mesmo tempo em que mostramos a validade do tipo de assistência que o Recanto Fraterno prestou durante tantos anos de uma forma condizente com o tipo de necessidade a atender e às condições da casa assistencial perfeitamente adaptada para tal.  

Agora está com a palavra a Dirlei para  contar sua história :  

      -  Nasci em Ponta Grossa, neste Estado,tendo lá vivido meus períodos de infância e juventude. Do homem que entrou em minha vida e com o qual tive o meu primeiro relacionamento, nasceram-me os dois primeiros filhos: Fábio e Sílvia. Essa relação, chegou ao fim por motivo de abandono por parte dele. Resolvi tentar a sorte em Curitiba e com meus filhos fui morar numa peça que aluguei e empreguei-me como zeladora num  prédio situado nas proximidades. Depois de alguns anos morando em Curitiba, fui, a convite de uma amiga fazer um passeio que incluía  Paranaguá e Morretes. Nesta última cidade conheci o homem com o qual teria o meu segundo relacionamento. Convidada por ele, fui para a cidade de Santo Ângelo no Rio Grande do Sul e lá vivendo com esse novo companheiro pelo espaço de 7 anos, nasceram-me as duas últimas filhas, Adriane e Juliana. No final desse período, tendo descoberto que meu companheiro dividia o tempo entre a casa da família e casas de meretrício, resolvi deixá-lo. Então voltei para o Paraná com os quatro filhos tendo se juntado a nós um menino de 15 anos, filho da proprietária da casa onde eu morara de aluguel. Com o consentimento da mãe e porque o menino aparentava ser bom concordei que ele nos acompanhasse. O que eu não sabia é que ele, em Santo Ângelo, já frequentara, com aquela idade, a escola do crime e que,   contra ele já corriam inúmeros processos pelo mais variados delitos. Viemos a Morretes e aqui chegando procurei minha sogra buscando apoio para recomeçar minha vida. Ela nos recebeu mas de imediato rejeitou a presença do garoto tendo ele tomado a decisão de voltar para Santo Ângelo. Eu e meus filhos fomos acompanhá-lo até o embarque imaginando que ele tomaria um ônibus para Curitiba para de lá embarcar para o Rio Grande do Sul. E aí tivemos a surpresa de, pela tentativa de roubo e fuga do garoto sermos envolvidos, e ficarmos detidos na Delegacia, naturalmente para averiguações. O encaminhamento para o Recanto  Fraterno foi uma bênção que nos permitiu retomar nossas vidas sob o amparo daquela instituição. Hoje moro numa casa de aluguel muito confortável alimentando  a esperança de ainda ter minha casa própria. Minhas três filhas estão casadas morando, a Silvia em Camboriu, Santa Catarina, Adriane e Juliana em Curitiba e Fábio, o únaico filho homem, ainda solteiro, mora comigo.

            Retomo agora a narrativa para as conclusões. Dessa  jornada de trabalho exaustivo, de preocupações constantes com os filhos, ficou pelo menos uma sequela preocupante: a dependência de remédio dos chamados “ tarja preta”  já que os nervos cobram hoje o tributo de tantas situações difíceis vividas no passado.  Dirlei tem consciência disso e por certo está  enfrentando já, esse novo desafio. Confiamos na sua garra tantas veze demonstrada,  para descartar-se do recurso medicamentoso que  tão valioso(sejamos justos) lhe foi no passado, mas que agora, tornou-se um fardo.  Para a Dirlei, neste encerramento o meu recado. Conte com a nossa solidariedade e nossas orações. Problemas familiares? São raras as famílias que não os têm. Rusgas entre familiares principalmente entre e mâes e filhos(as)? Bastar acionar uma alavanca chamada Amor e a paz volta a reinar. Um cumprimento muito especial para você, Dirlei,  pelo  Dia das Mães.

Aos meus leitores o agradecimento pela paciência de ler o que escrevo.   Até a próxima.

           Prof Nazir