domingo, 13 de novembro de 2011

VOLTEI


Frederico Figner, autor espiritual do livro "Voltei"

Livro "Voltei", psicografia de Francisco C. Xavier
            É o título de um livro.
            O nome excita a curiosidade quando se toma conhecimento do assunto. O autor, desencarnado em 1947, descreve com todas as minúcias, o seu despertar no plano espiritual após a morte física.
            O recurso para que a descrição chegasse até nós foi a psicografia, graças à mediunidade de uma pessoa muito querida e muito conhecida de todos os brasileiros: Francisco Cândido Xavier.
            O autor espiritual cuja biografia darei mais adiante, chama-se Frederico Figner, e usou o pseudônimo de Irmão Jacob.
            Antes de prosseguirmos, caberia aqui uma pergunta no mínimo curiosa: por que o título “ Voltei” se se trata de uma viagem para o outro plano que, pelo fenômeno da morte física, todos nós empreenderemos um dia?  Por que,  então,“Voltei” e não “Fui” ou  “Viajei” ?
            O livro é revelador já a partir do título. Na verdade, quando nos despojamos daquela vestimenta física que nos serviu de abrigo durante a nossa vida carnal, estamos retornando ao nosso lugar de origem, pois é lá a nossa morada habitual. Quando para aqui viemos pelo último nascimento, que se soma aos inúmeros outros, que já tivemos em nossa vida pregressa, estamos fazendo um novo estágio em nossa Casa Planetária, a Terra, na busca do aprendizado que nos levará a novas etapas de crescimento e evolução.
            Falemos agora do livro, de seu autor espiritual, e pasmem os meus leitores(as), de uma conexão com Morretes que descobri ter existido em anos das décadas de 40 e 50.
            Nossa Terra parece ter uma predestinação histórica que a liga a fatos e pessoas marcantes pelos seus feitos   e pelo papel importante que representaram no meio social a que estiveram integrados. Não faz tempo tivemos o privilégio de publicar em nosso blog a história de um paranaense ilustre que não somente começou em Morretes sua carreira de professor brilhante, como também foi homenageado mais tarde, com a denominação do nosso estabelecimento escolar mais tradidional. Referimo-nos ao Prof. Miguel Schleder.
            O livro “Voltei”, de boa apresentação, contém em sua capa as indagações para as quais  oferece as respostas:
            Há vida depois da morte? Se a vida continua para onde vai o espírito que sobrevive a morte?
            Será mais fácil ao espírita entrentar a situação além-túmulo? Conheça as respostas nesta obra de conteúdo revelador.
            O autor espiritual retorna do mundo maior, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, para nos esclarecer sobre assuntos interessantes tais como:
 -  desligamento do corpo físico;
-   retorno ao mundo espiritual
-  encontro com os amigos;
-  dificuldades de intercâmbio mediúnico
- reajustamento à nova vida.
            Biografia do autor espiritual :
            Frederico Figner, nasceu em 2 de dezembro de 1866, na cidade de Milevsko, atual República Tcheca.
            Aos 16 anos deixa sua pátria e migra para os EUA passando depois pelo México, América Central e finalmente chega ao Brasil, onde ingressa no ramo de gravação de músicas em discos fonográficos e distribuição de máquinas de escrever. Após muitas lutas, tornou-se próspero negociante e adquiriu uma sólida estabilidade econômica.
            Conheceu a Doutrina Espírita através de Pedro Saião que durante dois anos freqüentou a loja de Figner para palestrar sobre Espiritismo e Cristianismo.Vários acontecimentos o levaram ao Espiritismo e, em 1903 já se encontravam vestígios de suas atividades na Federação Espírita Brasileira.
            Durante muitos anos, na sede da F.E.B. na Av. Passos(centro do RJ), tomou ditado de receituário mediúnico e aplicou passes em numerosos doentes aos quais se dedicava com amor cristão. Foi tesoureiro, vice-presidente e membro do Conselho Fiscal da FEB. Do seu casamento com D. Esther de Freitas Reys, em 1897, nasceram seis filhos. Tornou-se espírita modelar exemplificando por seus atos a Doutrina que divulgava pela palavra escrita e falada. Frederico Figner desencarnou em 19 de janeiro de 1947. Um ano após sua desencarnação, retornava ao convívio dos irmãos de ideal e serviço., ditando esta obra ao médium Francisco Cândido Xavier.
            Agora a conexão.Em meados da década de 40, transferiu-se para Morretes, oriundo do Rio de Janeiro, um casal de europeus. Ele. Emílio Figner. Ela Maria Gaertner Figner. Conheci-os e com eles convivi por muitos anos.
            Na casa de comércio de meu pai recebíamos, vez por outra,a visita do casal que lá comparecia para compras quando então entretínhamos com eles agradáveis conversações. Com o tempo, e com o meu ingresso nas fileiras espíritas, fiquei sabendo que o Sr. Emílio era irmão do Sr. Frederico Figner, o mesmo que biografamos linhas atrás.Achando interessante essa correlação com Morretes surgida com a vinda do Sr. Emílio para cá procurei informações mais detalhadas sobre a vida do casal aqui em Morretes e para tanto apelei para uma filha da saudosa Sebastiana, a Ida que me deu por telefone e depois por e-mail as informações, valendo-se por sua vez da irmã dela, a Tânia. Eu precisava saber se o casal Emílio/Maria, ambos já falecidos, haviam sido sep ultados  em Morretes. A informação que me foi passada por gentileza da Ida é a seguinte: em janeiro de 1961, por motivo da doença de que fora acometido o Sr. Emílio, um câncer,o casal viajou para o Rio de Janeiro.Amparado pela família o Sr. Emílio foi submetido a tratamento mas, naquele mesmo ano de 1961, faleceu, sendo sepultado no Rio de Janeiro.
 Dona Maria, então viúva e não possuindo nenhum parente consanguínio, resolveu voltar a Morretes, terra onde se sentia bem adaptada. Aqui foi acolhida pela Sra. Sebastiana Bergamini e passou a viver com a nova família como se a ela pertencesse. Dona Maria faleceu em 1991  com a avançada idade de 99 anos, seis meses antes de completar 100 anos. Ela sim teve seu corpo sepultado em Morretes. Lembro-me que Dona Maria, na sua viuvez, leu e releu várias vezes o livro “Voltei”, solicitando-o por empréstimo à biblioteca da União Espírita Jesus Maria José.
            Bem amigos, espero que tenham apreciado a narrativa, fruto das minhas mais caras lembranças. Mas há outras com as quais pretendo presentear os meus pacientes leitores. Até a próxima.
          Um grande abraço do
         Prof. Nazir



segunda-feira, 31 de outubro de 2011

LARGO DO ACONCHEGO


                                                                                                         


                        Largo do Aconchego. Que nome poético para um logradouro! Pois, acreditem os leitores, o nosso Largo Dr. José Pereira dos Santos Andrade, .anteriormente denominado apenas Largo Dr. José Pereira, já ostentou o nome que serve de título a estas linhas. Quem nos passou a informação foi o nosso queridíssimo poeta  Portus Mariani,  pseudônimo do morretense radicado há muitos anos em Ponta Grossa, Lycurgo Negrão. Em nossa troca de correspondência, ele, quem sabe alimentando o desejo pela volta do antigo nome, sempre que endereçava as cartas  a mim  enviadas, escrevia: José Daher–Largo do Aconchego    51 – Morretes. É claro que, embora não existindo placas indicativas desse nome, a  carta sempre chegava às minhas mãos,  porque o carteiro me conhecia e entregava a correspondência no lugar certo. Sucedeu, no entanto, que uma dessas cartas acabou sendo devolvida porque  o entregador da correspondência,  que me conhecia,  entrou em férias e foi substituído por um jovem que não me conhecia . Meu amigo Lycurgo teve que reescrever o endereço e enviar–me novamente a carta. O episódio reacendeu um assunto que foi objeto das nossas conversas, muitas e muitas vezes.

                        Tudo começou quando, por lei municipal  oriunda de projeto aprovado pela nossa Câmara, o nome “Dr. José Pereira” deu lugar a “José Pereira dos Santos Andrade” nome completo do homenageado,  de cuja figura falaremos depois.  Convenhamos que, para servir de endereço, o nome ficou  quilométrico. Foi uma tentativa, inegavelmente justa mas nada prática, de conciliar os dois nomes  pelos quais ficou conhecido o nosso homenageado. Aqui em Morretes,  quando trabalhava nas fábricas de erva–mate do pai, era o popular “Zé Pereira”. No âmbito estadual ,  exercendo os cargos públicos que o  destacaram  na época, era o Santos Andrade, que dá a denominação a uma das importantes praças de Curitiba.
                        E aí, como ficamos nós ? Voltamos ao antigo nome  Dr. José Pereira, mais curto e mais prático ou adotamos o curto e também prático Santos Andrade? Ou ainda, deixamos tudo como está e “apelidamos” o nosso logradouro com o poético Largo do Aconchego o que não é nenhum absurdo pois a nossa  Alameda João de Almeida foi apelidada de Rua das Flores, o nome pegou e as duas denominações estão valendo. Uma oficial – Alameda João de Almeida –  outra não oficial – Rua das Flores.  Esta última vem  sendo usada  paralelamente à outra,  tanto que até uma placa  está  colocada lá.  Por que não” apelidar” o nosso Largo Dr. José Pereira dos Santos  Andrade de  “Largo do Aconchego “           ?  Em Curitiba, a rua  Comendador Franco também se chama Avenida das Torres. Os dois nomes  o oficial– rua  Comendador Franco – e o não oficial – Avenida das Torres – convivem harmonicamente.
                        Cogitar da mudança pura e simples para  Largo do Aconchego, penso eu, não seria recomendável. Significaria  apagar da memória uma figura maiúscula da nossa história  como foi a de José Pereira dos Santos Andrade.  Falemos dele agora.
                        Nascido em Paranaguá era filho natural do Comendador Antonio Ricardo dos Santos que o legitimou e  procurou fazer dele o seu continuador tanto nos negócios como na política. Como o pai, que  foi  presidente da província do Paraná em 1887, Santos Andrade, viria também a ocupar o  alto cargo, já no período republicano entre os anos de 1896 e 1900 .  Sobre o seu mandato transcrevamos parte  do que dizem os  seus biógrafos, os historiadores David Carneiro e Túlio Vargas:



   “ Deixou sua cadeira no Senado quando foi eleito para a Presidência do Estado. Seu período de governo foi excelente. Os quatro anos que vão de 1896 a 1900, foram de calma, de justiça, e tanto quanto possível, de apaziguamento dos ódios que a revolução federalista de 1893 a 1894 derramara e intensificara no Paraná, dividindo as famílias e até dentro do seio de cada uma delas, separando os seus membros mais exaltados.
            Florianista apaixonado, muitas vezes acompanhou o marechal vice–presidente da República, nas suas visitas de inspeção ao Morro do Castelo e as fortificações da Guanabara, arsenais de guerra e da Marinha, e outros pontos de grande risco, para onde convergiam os tiros da esquadra revoltada sob o comando do almirante Saldanha da Gama. Era então senador. Apesar da sua posição política, ofereceu–se, como comandante do 7 º  Batalhão da Guarda Nacional, para seguir na vanguarda da coluna do general Pires Ferreira, que em 1894  avançou pelo Itararé e retomou o estado do Paraná, que a revolução, malgrado sua tendência à dissolução, ainda conseguia manter. “
            Os acontecimentos que cercaram a disputa pelo Paraná e por Santa Catarina,  do território conhecido como O Contestado, teve no mandato de Santos Andrade um de seus episódios. Devolvamos a palavra aos historiadores. 
          Baseando–se em leis que nem o governo paranaense, nem o federal, poderiam reconhecer, tentaram os catarinenses ocupar grande parte do território paranaense da região contestada. Forte coluna da polícia barriga–verde, embarcada em lanchas e vapores, pretendeu realizar a navegação dos rios Negro e Iguaçu, da jurisdição paranaense. Contrapôs força à força e desarmou os soldados do estado vizinho, arrecadando–se, na ocasião, todas as armas e munições, em grande profusão aliás.
            É de lastimar–se que esse fato ocorresse já no período final de seu governo e que sua moléstia e consequente morte, o impedissem de ministrar ao conflito a solução brilhante que imaginara para dar fim, desde 1900, ao dissídio e ao conflito.”
           Falam–nos ainda os seus biógrafos da sua notável tolerância política  ao nomear oficial de gabinete um antigo adversário , o coronel Luís França, ilustre e digno paranaense cujos méritos pessoais todos reconheciam.
            Terminou seu mandato no dia 25 de fevereiro de 1900 falecendo poucos meses depois em Curitiba, no dia 15 de junho do mesmo ano.
            Como se pode concluir, a ilustre figura de Santos  Andrade,  embora nascido em Paranaguá  aqui fixou suas raízes e por largo tempo exerceu em nossa cidade inúmeras atividades ligadas à sua família. Entendo que não só  deve permanecer homenageado como também que mereçam ser melhor conhecidos sua vida e seu notável trabalho nos cenários paranaense e brasileiro.
            Sobre o nome do logradouro vamos começar a pensar no assunto?

Fonte das informações biográficas: publicação sobre a história do período republicano no Paraná de autoria de David Carneiro e Túlio Vargas, na edição da Gazeta do Povo de 23 de abril de 1989.

              Artigo escrito no ano de 2004.

           

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

HISTÓRIAS DO RECANTO ( I )


                Inicio hoje a primeira das histórias da série, conforme prometi em postagem anterior. A narrativa foi escrita em 1997 e publicada no número de agosto daquele ano no mensário “Jornal do Leste” que então circulava sob a direção do competente e grande amigo Gilberto Gnoato. Com algumas adaptações a começar pelo título, que na publicação jornalística era  “Uma Reflexão sobre o Outro Mundo”, republico-o agora no meu blog Páginas Escolhidas.

CATARINA
                Aos quarenta e sete anos, Catarina cerrou os olhos da carne e despediu-se da vida física. Tempo curto para uma vida comum. Extremamente longo para quem, como ela, passou a vida num leito, impossibilitada de executar os mínimos movimentos que lhe permitissem, por si só, andar, falar,alimentar-se e fazer a própria higiene.
                Aos dois anos uma meningite paralizara-lhe o desenvolvimento e, a partir de então, nossa personagem, ainda um bebê, permaneceu bebê por mais... quarenta e cinco anos..
                Filha de Ana Rosa da Silva, uma das mais antigas moradoras do nosso Recanto Fraterno, Catarina nos ensejou, pelas condições em que viveu, a visão de um quadro de abnegação, renúncia,sacrifício e heroísmo.
                Dona Ana, assim a tratávamos na intimidade, ingressou em nossa instituição juntamente com a pequena família, o companheiro Miguel, já então vitimado pela cegueira, e Catarina, totalmente tolhida em seus movimentos  pela paralização que a meningite havia deixado como sequela. Adentrava a valorosa mulher a nossa casa assistencial, carregando um pesado fardo: marido e filha em situação de invalidez dependendo dela para quase tudo.
                O tempo foi passando, após alguns anos o companheiro faleceu e D.Ana passou a dedicar-se inteiramente à filha. Ficou-lhe modesta pensão que, juntamente com o que a instituição lhe proporcionava,podia ela enfrentar o dia a dia, vencendo as dificuldades.
                Nos últimos anos, já octogenária, D. Ana continuava a árdua tarefa de   tantos anos: cuidar de seu neném, alimentando-o e higienizando-o várias vezes por dia. Compreensivelmente, uma quantidade de roupas muito maior do que teria qualquer família comum, devia ser lavada e enxugada. E D. Ana era então a única que ainda dispunha de fogão a lenha na casa que ocupava no Recanto, para poder enxugar roupas sobre o fogão quando não havia sol. Na era do gás engarrafado, encontrar lenha nas quantidades exigidas pelo consumo de D.Ana não era tarefa fácil. Apesar disso a lenha nunca faltou, ora eram restos de serraria, ora de casas demolidas cuja madeira não oferecia condições de reaproveitamento, ora era lenha comprada dos raros fornecedores que ainda mantinham a atividade. O dedo da Providência sempre abria portas para que D. Ana continuasse cumprindo sua nobre missão.
                Manifestando sua preocupação quanto ao futuro ela constantemente nos dizia: - Meu Deus! Se eu for antes quem vai cuidar deste anjo?
                De fato,em novembro de 1993, após breve enfermidade, D. Ana encerrava, aos oitenta e sete anos, uma existência sacrificial,  levando para o plano espiritual a preocupação de deixar o seu anjo, aos cuidados,  não sabia ela de quem.
                E mais uma vez a Providência Divina abria as portas para acalmar as preocupações de D. Ana. Uma de suas filhas, Antônia, que já vinha dando asssistência à mãe na enfermidade, passou a morar na casinha do Recanto e a atender Catarina. Fazia-o com enorme sacrifício pois morava no Capituva, tinha muitos filhos para atender o que a obrigava a fazer constantes idas e vindas. Assim mesmo cuidou de Catarina pelo espaço de nove meses. Para aliviar Antônia do encargo, para ela bastante pesado, a Providência novamente abriu as portas e Maria, outra filha de D. Ana, que morava no Retiro e tinha como companheiro o bom Izaias, resolveu cuidar de Catarina em caráter definitivo, levando-a para sua casa. E o bebê de D. Ana, que por nove meses foi o bebê de Antônia, passou a ser o bebê de Maria. Esta cuidou da irmã com extremos de desvelo por quase três anos.
                Nos primeiros dias do mês de julho de 1997, finalmente Catarina encerrou aqui na Terra sua etapa de dores. Deixou-nos motivos para profundas reflexões. Um deles, o mais surpreendente, foi a sobrevida que a fez permanecer no corpo físico por mais do dobro da idade normal para esses casos, pois, de acordo com informações da ciência médica, pessoas nas condições de Catarina, raramente atingem os vinte anos. De fato, pela falta absoluta de movimento, por anos e anos, seu intestino só funcionava com o uso de laxantes. Não bastasse isso, os ataques epiléticos que de tempos em tempos a achacavam, faziam seu mirrado corpinho contorcer-se entre esgares e espuma a sair pela boca.Após cada ataque, ela se quedava exangue, para depois, aos poucos, recuperar-se e continuar persistentemente a viver.O corpo fragílimo dava a impressão que o esgotamento levaria rapidamente à capitulação. No entanto, a natureza, fazendo verdadeiros prodígios, supria sempre aquele corpo de novas energias, para que a vida continuasse até um tempo que parecia cronometrado pelo destino.
                A que raciocínios nos induz o drama de Catarina?. Por quê, enquanto o comum das pessoas aprende a andar e a falar e, à medida que cresce e se desenvolve vai construindo a sua autonomia, desenvolvendo pelo estudo suas aptidões, para chegar à vida adulta exercendo o seu papel, sempre importante na comunidade, enquanto outras, como Catarina,  levam uma vida de quase meio século, aprisionadas num corpo atrofiado, sem voz, com movimentos mínimos, insuficiente para atender às mais elementares necessidades, totalmente dependentes de outrem para sua sobrevivência, numa situação irreversível, só solucionada pela morte?
                Procurando sintetizar o nosso pensamento e as nossas convicções sobre o assunto, diremos, nesta despretenciosa crônica,  que todos nós, sem exceção, somos viajantes do tempo,  e que nossa existência, como seres conscientes, conta com milênios de vidas sucessivas. Que assim,dos inúmeros acontecimentos que a história registra, não fomos apenas testemunhas mas também protagonistas. Quando, ao indagarmos onde se encontram os autores e as vítimas de muitos acontecimentos, dos quais nos horrorizamos ao tomarconhecimento, a resposta é que ao despojarmo-nos do corpo pela morte, conservamos integralmente a nossa personalidade, com toda a bagagem de conhecimentos, sentimentos e experiências que vimos acumulando nos séculos e séculos de etapas vividas aqui no mundo. E quando a consciência, juiz implacável, nos mostra de forma muito viva, os atos que, pela sua natureza , se caracterizam como crimes de lesa-humanidade, então o peso do remorso e de seu parceiro principal o complexo de culpa, nos impelo à auto-punição. Vai daí que muitos infratores da Lei Maior  estão em nosso meio, animando novos corpos, em processo de dolorosa mas voluntária terapia, para apagar da alma enferma, as marcas das transgressões às justas e sábias Leis Divinas. E, quem sabe, as vítimas de ontem não são os que hoje  amparam e assistem, aprendendo com isso o exercício do perdão que engrandece e liberta?
                Não sabemos e talvez nunca venhamos a saber qual o drama que está por detrás da excepcionalidade de Catarina. Podemos, no entanto afirmar que seu espírito este prisioneiro por quase meio século, enclausurado num corpo incapaz de movimentar-se. Prisão sem grades que, em vez de carcereiros, contou com o trabalho continuado de amorosos e solícitos familiares.
                O caso de Catarina foi de excepcionalidade em grau extremo. Lembremo-nos no entanto de outros excepcionais, cujo grau é mais leve, mas que requerem, quando colocados em nosso caminho, uma dose dobrada de amor, carinho, compreensão e trabalho. Podem ser almas que vem ao nosso encontro obedecendo ao impulso das grandes afeições que cultivamos no passado.
                No velório, antes de acompanharmos os despojos de Catarina até a sepultura, observamos a expressão do rosto. Parecia sorrir. Possivelmente o espírito,  quando sentiu aproximar-se o momento da libertação do longo cativeiro, deixou impressas as marcas da alegria de quem finalmente se liberta e se redime.
                A Catarina, manifestando-nos agradecidos pela maravilhosa lição de vida que sua vida sofrida nos deixou, e pelo exemplo de heroísmo anônimo, dado pelos que, pacientemente se consumiram no árduo trabalho de ampará-la, nossos calorosos votos de muito êxito nas novas empreitadas que hão de vir, e nos caminhos que percorrerá, buscando a evolução, rumo ao infinito.

                Caríssimos amigos(as), obrigado pela atenção,  até a próxima e um grande abraço do
               Prof. José Daher    

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

MIGUEL SCHLEDER ( III )


            Antes de dar início à última etapa deste trabalho,  com a transcrição da biografia de Miguel Schleder, quero dar ênfase  à revelação contida na  página 2 e  que destaco em negrito : Miguel Schleder iniciou sua carreira no magistério público em Morretes. De fato, por  ter sido um professor  brilhante,  que pelo seu esforço e capacidade de superação   é um exemplo de vida,  Miguel Schleder já mereceria que seu nome fosse dado a um estabelecimento de ensino daqui. Mas o motivo da homenagem se torna mais significativo,  pelo elo de ligação que passou a existir,  ao iniciar ele  em Morretes, sua carreira no magistério público.



MIGUEL SCHLEDER -  BIOGRAFIA

            O Dr. Sebastião Paraná assim traça a sua biografia (ver “GENEALOGIA PARANAENSE” ), de Francisco Negrão, vol. 6, pgs 392 a 395 –edição 1950) :

            Da torre ebúrnea de minha gratidão sincera tenho hoje o gáudio de tanger dos sinos o mais sonoro em memória de um conterrâneo que se fez digno do preito de seus pares.

            Refiro-me ao prof. Miguel Schleder, de saudosíssima lembrança. Nunca vem tarde o conserto de uma falta. É sempre oportuna a reparação de uma injustiça.

            Nomes de paranaenses diletos, beneméritos mesmo, têm sido merecidamente designados para a denominação de casas, de grupos escolares, em diferentes localidades do Estado. Entretanto está sendo esquecido, injustamente olvidado, o nome respeitável de Miguel Schleder, do Professor Miche, como era também conhecido: desse conhecido e esforçado didata,  que soube cumprir o seu dever de preceptor com solicitude, zelo e reconhecida competência profissional.

            Ao Prof. Miguel Schleder devo a minha iniciação nos altos mistérios do curso elementar. A ele, a esse emérito educador, mais de uma geração de homens que se distinguem hoje nas ciências e nas letras deve a luz intelectiva,  que é a mais insigne das luzes.

            Assim sendo, a memória desse esforçado lapidador de cérebros juvenis merece a nossa veneração inteiriça e cordial. Seu nome é digno da homenagem de todos nós e da posteridade.

            Foi um paranaense que se consagrou inteiramente à instrução da puerícia de sua terra. Pela sua dedicação, pelo afeto ao ensino, tornou=se um dos mais acatados e competentes educadores do seu tempo. Sua vida é  um belo exemplo para a mocidade de hoje,que é a esperança da Pátria e a guarda avançada da República. Fez-se por si. Com seus próprios esforços abriu brecha e avançou impávido, lutando muito e avançando sempre. De aprendiz de ferreiro que foi na infância chegou à cátedra de lente do principal instituto de ensino secundário da ex-Província do Paraná – o Instituto Paranaense, hoje Ginásio Paranaense. (Nota: na atualidade, 1972, Colégio Estadual do Paraná). Nas horas de lazer, quando a forja não crepitava e a bigorna e o malho tiniam,  ele aguçava, adornava, enaltecia, engalanava o seu espírito, que sentia ânsias de voos e revoadas em planos mais elevados, superiores.

            E assim, da oficina de ferreiro ele saiu para entrar armado cavaleiro na oficina do pensamento, onde se fez mestre destacado, a temperar o saber na forja das ciências.

            Conclui com inteligência o Curso Normal.  Iniciou sua carreira no magistério público na cidade de Morretes, de onde mais tarde foi removido para esta Capital. Casando-se com D. Senhorinha Marques, dotada de adoráveis predicados intelectuais e morais, com ela exerceu o magistério durante longos anos, em Curitiba, onde suas escolas eram consideradas modelares.

            Filiado ao Partido Conservador foi um dos colaboradores mais distintos da imprensa sisuda e aguerrida de sua facção política.

            Em 1888 o Prof. Schleder conquistou – mediante brilhante concurso – a cadeira de Geografia, Retórica e Poética do Instituto Paranaense e da Escola Normal. Para a obtenção desse posto honroso escreveu e sustentou as teses seguintes:  “Geografia Física da América” e “ Leis que Separam ou Aproximam as Escolas Realista e Idealista”. As provas que exibiu foram completas, sendo por isso bem classificado e nomeado lente catedrático da aludida cadeira.

            No antigo Instituto, que depois tomou o nome de Ginásio Paranaense,  lecionou durante alguns anos, até que a morte, num prélio desigual, o venceu,  ainda no exercício de sua dignificante labuta em prol da mocidade estudiosa de sua terra natal.

            Com ufania recordo agora, em rápidas excursões, o nome desse paranaense ilustre e a quem a nossa instrução pública primária e secundária deve serviços relevantes; e o faço com alarido, com alvoroço, esperançado,  certo mesmo de que com esta intemerata rememoração o seu nome será colocado em o frontal de algum estabelecimento de ensino público do Paraná, podendo-se então repetir o velho provérbio: - A justiça tarda, mas não falha”.



“Saudoso mestre, aceita estas palavras como prova inconcussa de minha gratidão imperecível. Mando-te esta recordação esta lembrança à falta de coisa melhor. Aceita-a. É singela, pobre, mas sincera, verdadeira.”

                                            .-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.

Ainda registra FRNCISCO NEGRÃO:

Professor Miguel José Lourenço Schleder, falecido na cidade da Lapa em 18 de janeiro de 1892, já em estado de viúvo da Profª. Senhorinha Eulália Marques Schleder, filha do Cap. João Gonçalves Marques e de sua mulher Rita de Mendonça Marques; por esta era neta de Manuel Francisco de Mendonça e de Eugênia Maria de Mendonça; por seu avô materno era bisneta de Antonio Francisco de Mendonça e de sua mulher Joana Rosa da Trindade. Foi emérito educador a cujo mister se dedicou com entranhado devotamento e competência. Caráter inquebrantável, sem conhecer a lisonja, não se preocupava com os potentados nem com o seu bem estar individual, sofreu várias injustiças de caráter político,  que mais lhe abateram o ânimo.

Filhos:

            Maria Eugênia Schleder da Cunha Marques, Nenê, viúva de Pedro Leite da Cunha Marques, que foi 1° Escriturário da Alfândega de Paranaguá, e depois de Corumbá. Sem filhos.

          Edgar Schleder,telegrafista em Santo Antonio do Madeira, no Estado do Amazonas, onde se casou com Laura Schleder.

       Sylvia Schleder de Camargo, que foi casada com Sezefredo de Camargo.

       Eugênio Schleder foi casado com Luiza de Oliveira. Ele já falecido. Filhos : Sylvio Schleder, estudante da Escola Militar, Maria Eugênia e Evaldo.

     Senhorinha Schleder,  casada em Mato Grosso com Joaquim Mariano.

    Major Dr. Sylvio Schleder, hábil e ilustre engenheiro militar. Caráter diamantino, faz honra à sua terra natal. É solteiro e vive no Rio de Janeiro, em companhia de sua digna irmã Nenê e de sua tia Maria da Luz.

Nota: Os dados supra foram colhidos na mencionada GENEALOGIA PARANAENSE, de Francisco Negrão,  na sua edição única, que data de 1950.

             Hoje, em 1972,  diríamos que os filhos de MIGUEL SCHLEDER, já são todos falecidos, e, mais, o Sylvio que era estudante da Escola Militar é general reformado; e o Sylvio que Major, faleceu no posto de coronel...

                                                                           Curitiba,30.10.72



                                                                        ( a ) Lauro Schleder

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

MIGUEL SCHLEDER ( II )

            Conforme prometi, transcrevo a carta a mim enviada pelo Sr. Lauro Schleder, atendendo ao meu pedido de  dados biográficos de Miguel Schleder quando, para esse fim, visitei-o   em 1972. Nela, a insigne figura do Sr. Lauro Scheleder, escritor, jornalista, pesquisador, e acima de tudo um modelo de cavalheirismo e afabilidade, me honra com demonstrações inequívocas do mais alto apreço. Conhecê-lo, embora no curto espaço de uma visita, foi para mim um alto prêmio que, com muito carinho  conservo na lembrança.

                                                          Curitiba 30 de outubro de 1972

Ilmo.Snr. Professor José Daher
Morretes (Paraná)
            Ao preclaro professor patrício, cumprimento mui cordialmente.

            De referência ao seu estimado telefonema, solicitando-me dados biográficos de meu tio MIGUEL SCHLEDER, cujo nome foi dado à Escola de Aplicação dessa cidade, ratifico o que na oportunidade disse ao prezado amigo: poucos elementos eu possuo a respeito daquele parente, isso devido a que, quando se é moço geralmente pouco nos interessamos por tais coisas; e quando entramos na idade provecta topamos com dificuldades para colher, em boa fonte, os elementos para formar correta imagem desta ou daquela personalidade. Mas, vejamos, dentro da velha formula do possível, o que se poderá fazer.
            Na magnífica obra “GENEALOGIA PARANAENSE” –  edição de 1950, de Francisco Negrão (pags. 392/395 do vol. 6), há elementos que indicam que
            Pedro Schleder, alemão, ferreiro,  casado com Luiza Bárbara Rodomarque, com outros alemães vieram da Alemanha para o Brasil, aqui chegando em fevereiro de 1829 localizando-se no RIO NEGRO. Mais tarde, esses alemães,  principalmente a família de Pedro Schleder, mudou-se para Curitiba. Pedro Schleder e Luiza Bárbara eram pais de MIGUEL SCHLEDER que aos 12 de junho de 1841, em Curitiba, casava-se com Mariana Pletz,filha de João Pletz. Este casal teve 12 filhos, todos nascidos no Brasil,  e que são os seguintes:
1.     Pedro; 2 Carolina da Purificação; 3.Margarida 4. MIGUEL JOSÉ LOURENÇO( o Miguel Schleder cujo nome foi dado à Escola de Morretes; 5. João Pedro; 6.Francisco António; 7. António Augusto; 8. José Lourenço (um dos companheiros do Barão do Cerro Azul, no maldoso assassínio na Serra do Mar,na trágica noite de 20 de maio de 1894); 9. Luís Miguel(meu pai); 10. Amélia; 11.Maria da Luz; e 12. Catarina. (Ver SUBSÍDIOS GENEALÓGICOS  - I – Famílias  Brasileiras de origem germânica – Publicação conjunta do INST. GENEALÓGICO BRASILEIRO e do INSTITUTO “ HANS STADEN” São Paulo – 1962 – pgs. 109/110).
Na citada GENEALOGIA PARANAENSE de Francisco Negrão (pgs.cit.) há uma brilhante página sobre  MIGUEL SCHLEDER, o ex-aprendiz de ferreiro, professor primário e professor secundário. Essa página vai em anexo a esta carta, e merece lida e meditada.

            A propósito da vida dos alemães no Rio Negro, criaturas que saíram de um país civilizado, vieram para uma terra que ainda dava os primeiros passos na senda do progresso : deixaram comodidades próprias da Europa para virem enfrentar mil dificuldades nas matas rionegrenses na década de 1820,  transcrevo a título de curiosidade, a  seguir, uma página que conquanto de autor para mim desconhecido, não deixa de ser expressiva :
“BANDEIRANTES ALEMÃES”
            Nossos bisavós, descendentes que eram de uma raça forte, tendo nas veias o sangue germânico, um dia resolveram abandonar a pátria em busca do desconhecido,  tal qual o fizeram os intrépidos bandeirantes paulistas.  Aqueles, mais audaciosos,  porque deixando para trás um país civilizado que lhes proporcionava maior conforto, não se atemorizaram em penetrar as matas selvagens junto das feras e dos nativos, iludidos que foram na sua boa fé. Foi isso que aconteceu.
            Quando deixaram a pátria idolatrada, para onde nunca mais voltariam, tinham certeza de que iriam habitar uma cidade ou vila onde tivessem contacto com gente civilizada. Ao chegarem ao Rio de Janeiro, um aristocrata, que possuía terras em Rio Negro, conseguia que dez famílias das recém chegadas fossem povoar suas glebas; e, dentre as famílias escolhidas estavam os PLETZ, STRESSER E SCHLEDER. No dia 19 de fevereiro de 1828, desembarcou no Paraná a primeira leva de colonos alemães e todos foram conduzidos para RIO NEGRO e jogados no meio da mata. No local em que os colonos se estabeleceram não havia moradores. De quando em vez passavam pela estrada um ou outro viajante que, como os moradores, apenas trocavam simples cumprimentos.  Nada podiam conversar, dada  a disparidade das línguas alemã e portuguesa.
            Contam que esses valentes bandeirantes, abandonados no meio da mata, trataram de construir suas casas e para isso usaram de madeiras que apresentavam maiores facilidades no manuseio e em seguida trataram de cultivar a terra para prover seu sustento.
            A zona onde eles se instlaram era habitada por silvícolas que nunca molestaram os colonos, e estes, por sua vez, julgavam que, por sua vez, que os índios eram os habitantes daquelas terras desconhecidas, e com eles não se envolviam.  Nas noites calmas de verão,quando no céu brilhavam as estrelas e o Cruzeiro do Sul faiscava,  aquela gente brava e valente, para espairecer as mágoas e matar as saudades da pátria longínqua se reunia numa só casa e, no momento em que o silêncio caía sobre o aldeamento, quebravam a monotonia daquela solidão os acordes  suaves e plangentes de vozes que cantavam canções melodiosas aprendidas quando eram embalados  nos braços maternos.
            Quando de suas faces rolavam lágrimas de dor, de desespero e de saudade, pelas frestas das janelas eram vistos os bugres contemplando assustados aquele espetáculo maravilhoso. Só os habitantes das selvas testemunharam os sacrifícios e o heroísmo dos povoadores de Rio Negro. Uma senhora alemã, nascida na linda e encantadora cidade de Luxemburgo, não suportando a dor da saudade, morreu de tédio e de tristeza. Foi em Rio Negro que Pedro Schleder e sua mulher Luiza Bárbara semearam, neste novo continente, um novo tronco de família, cujos descendentes são tão brasileiros como aqueles aborígenes que lá habitavam. Houve duas remessas de colonos para Rio Negro a pedido do Barão de Antonina. A primeira foi determinada pelo Conselho do Governo, na sessão de 19 de novembro de 1828 e a segunda pelo Presidente da Província, em 5 de maio de 1829. O Barão de Antonina foi nomeado diretor dessa colônia por ato de 6 de dezembro de 1828.
----------------------------
            Meu pai (Luís Miguel Schleder), irmão de Miguel Schleder( o do nome da Escola de Morretes), muitas vezes me contou que tio Miguel já era moço e trabalhava como aprendiz de ferreiro de seu pai, também Miguel Schleder. Era um simples puxador de fole ... Enamorara-se de uma jovem  pertencente a distinta família paranaense, muito prendada, inclusive professora. Miguel, o jovem apaixonado, era de pouca instrução.Logo percebeu o desnível cultural existente,acachapante mesmo, entre os dois. Brioso, pensou e concluiu que se impunha mudar de vida, inclusive estudando e muito,  para não ficar inferiorizado perante aquela a quem amava. Foi então que com firmeza ímpar, se atirou ao estudo. Um dia foi à presença do velho e respeitável Miguel Schleder:
            -- Papai! Preciso estudar e, assim, peço-lhe permissão para freqüentar a escola noturna...
            Após uns instantes, cofiando a barba, o venerando ferreiro deu a resposta que não era a esperada por tio Miguel:
            --Não! Não dou licença. Eu sei perfeitamente o que você está querendo...: ir para a folia noturna, para a vagabundagem...
            E de nada valeram judiciosos argumentos que o jovem pretendeu aduzir, uma vez que naqueles tempos as opiniões paternas eram quase sempre a última palavra...
            Muito triste, MIGUEL respeitou a decisão paterna, obedecendo-a, isto é, deixando de matricular-se na escola noturna. Mas sua decisão de estudar era uma obstinação! Estudaria em casa, sozinho ou com alguém que pudesse ajudá-lo quando não pudesse estudar sozinho...
            De noite, lá estava o original estudante queimando as pestanas à luz bruxoleante do candeeiro... De dia, na forja, a mão direita puxando o fole, a esquerda segurando o livro em que estudava...
            Era bem a força de vontade, o anseio de progresso, a dedicação perseverante – conjugados objetivando a realização de um ideal impulsionado por jovem e amoroso coração...
            Todavia, apesar dos percalços da vida, MIGUEL SCHLEDER foi aos poucos transpondo as maiores dificuldades; desbravou a floresta virgem dos imensos e escondidos conhecimentos humanos, e eis que logra formar-se professor primário!... E foi mais além: certa vez, sentindo-se mais preparado, aventurou um concurso para lente catedrático do Instituto Paranaense (então o estabelecimento de ensino mais categorizado em Curitiba). Esse educandário, mais tarde, passou a ser o Ginasio Paranaense, hoje COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ...
            Ora, os professores catedráticos do Instituto Paranaense eram formados, com curso superior. E Miguel Schleder um simples professor primário, ainda há bem pouco um simples aprendiz de ferreiro... Diziam: que audácia do professorzinho! Que insolência!
            Diante do preconceito segundo o qual um leigo não podia ser professor do Instituto, causou profunda sensação no vilarejo que na época era nossa hoje trepidante e universitária Curitiba, aquela inaudita audácia de Miguel Schleder.
            No dia marcado para a realização do concurso, a cidade, no máximo de sua curiosidade, foi assistir ao espetáculo que, esperava,, seria proprorcionado pelo bisonho professorzinho primário...
            -- Tire o ponto...  – disse o Presidente da Banca examinhadora..
            Miguel Schleder tira um papelzinho dobrado e entrega-o ao Presidente.
            -- É...  um bom ponto...
            Miguel Schleder toma conhecimento do conteúdo do ponto, vai à tribuna. Quando todos pensavam que ele ia por-se à disposição da Banca para início dos exames, ouviram:
            --Sr. Presidente,  peço a palavra pela ordem...
            -- O examinando tem a palavra.
            -- Sr. Presidente e demais ilustres Membros da Comissão Examinadora deste Concurso! Com a devida vênia peço para ponderar que o edital publicado e com base no qual me inscrevi para este concurso, não exigia a prestação de exame sobre a matéria constante no ponto sorteado. Houve pois, data vênia, exorbitância na organização dos pontos. Assim, ou essa respeitável Banca haverá por bem permitir-me seja sorteado outro ponto(dentro do regulamento  divulgado pelo edital) ou, se assim melhor lhe aprouver, me concede 24 horas para eu prestar exame do referido ponto já sorteado.
            --!!!...
            Os membros da Banca trocam idéias e, após, seu Presidente se dirige ao examinando:
            -- A Banca bem considerando procedentes as razões apresentadas,resolveu conceder-lhe o prazo de 24 horas para a prestação do exame relativamente ao ponto já sorteado...
            Diante disso, Miguel Schleder vai para casa e afunda-se no estudo do questionado ponto. Segundo se dizia, o ponto sorteado era muito complexo, visto que era fundamentado em outros pontos cujo prévio conhecimento era imperativo. Não se tramava acaso impedir  a entrada de um leigo para o convívio daquele egrégio sodalício ? ! ...
            Foram 24 horas de estudo puxado! Alguns foram ajudá-lo na pesquisa de elementos para o estudo...  Miguel Schleder passou a noite com os pés mergulhados numa bacia de água fria para não dormir ...
            No dia seguinte, na hora determinada, ele se apresenta diante da Banca, sob o olhar perquiridor da grande assistência, esta já agora mais benevolente com o jovem examinando; contava com a simpatia daqueles que no dia anterior eram apenas curiosos a estimar um  fracasso da audácia. Ele, a essa altura já tinha uma estória conhecida de muita gente; já grangeara a simpatia de quantos amam o trabalho, o estudo e sabem reconhecer os méritos de quem verdadeiramente procura pelo esforço próprio, progredir.
            Realizadas normalmente as provas, MIGUEL SCHLEDER foi, afinal, aprovado e nomeado para exercer a cátedra no Instituto Paranaense...
            Venceu a obstinação de um coração apaixonado!...
            Meu caro professor José Daher: foi o que pude conseguir a respeito de Miguel Schleder, o que passo às suas mãos atendendo como foi possível, ao seu para mim honroso pedido. Se vier a colher outros dados sobre meu aludido tio, não deixarei de voltar à sua presença, amigo Daher. É de mister que os alunos da Escola de Aplicação de Morretes,sua gente, saibam que devia ter havido alguma razão ponderável para que o nome simples de um aprendiz de ferreiro passasse a ser parte integrante de uma  escola pública de Morretes.
            Abraham Lincoln, um dos mais notáveis vultos da humanidade, também foi nos primórdios de sua existência um simples lenhador...
            Ao seu dispor, creia-me o patrício sempre às ordens.
                                      ( a)  Lauro Schleder               

terça-feira, 13 de setembro de 2011

MIGUEL SCHLEDER ( I )


            Estou iniciando hoje um retrospecto do trabalho que me coube, por delegação de meus colegas diretores das escolas de Morretes, nas comemorações relativas ao aniversário da cidade, no ano de 1972. Consistia em pesquisar e trazer para a coordenação dos festejos, uma biografia, tão completa quanto possível, de Miguel Schleder, que deu nome ao antes Grupo Escolar, e que naquele momento era uma Escola de Aplicação, funcionando junto à Escola Normal Estadual Silveira Neto. O trabalho é extenso e para não cansar os leitores vou dividi-lo em etapas. Nesta primeira vou relatar os procedimentos, passo a passo, a fim de chegar às fontes de informação a que recorri, os resultados alcançados, a fidalguia de meu informante, e comentários meus sobre as surpreendentes revelações contidas na carta que ele me escreveu, e no site www.feparana.com.br da Federação Espírita do Paraná. Numa segunda, a transcrição da carta com a confirmação das revelações que relatei na primeira.  E finalmente, numa terceira etapa, o anexo contendo a biografia de Miguel Schleder.

            Retroajo agora ao ano de 1974, no inicio da tarefa, dirigindo-me, quando em Curitiba, à Federação Espírita do Paraná. Meu objetivo era entrevistar-me com o Sr. Lauro Schleder, um valoroso tarefeiro da veneranda organização, e que, pelo sobrenome, tinha eu a esperança, fosse parente do meu biografado e me fornecesse as informações de que precisava. O Sr. Lauro não se encontrava na Federação mas graças ao conhecimento de que eu  desfrutava, pois  militava nas fileiras espíritas já há anos, foi-me confiado o endereço dele. Fui recebido na casa do Sr. Lauro com muita cordialidade e ao identificar-me, com lidador da seara espírita e estando lá com o objetivo de obter informações sobre Miguel Schleder, ele fez-me entrar e aí conversamos longamente sobre os mais variados assuntos, com enfoque especial, tanto na Doutrina que ambos abraçávamos como sobre a figura notável que fora seu tio Miguel Schleder. Hoje, decorridos 39 anos daquela visita, sinto-me um privilegiado, mas também um desleixado, podendo aplicar a mim mesmo o que o Sr. Lauro me diz em sua carta: “poucos elementos eu possuo a respeito daquele parente, isso devido a que, quando se é moço geralmente pouco nos interessamos por tais coisas; e quando entramos na idade provecta não raro topamos com dificuldades para colher, em boa fonte, os elementos para formar correta imagem desta ou daquela personalidade”. De fato, tempos depois da entrevista, eu recebia do Sr. Lauro,  pelo correio, a carta enviada a mim e anexa a ela a  biografia de Miguel Schleder. Entreguei esses documentos preciosos à coordenação das festividades sem ter o cuidado de providenciar e guardar uma cópia para mim. Agora, guardando na lembrança as minha providencias no passado, quase quatro décadas atrás, comecei a  recorrer aos  professores do Colégio Estadual Rocha Pombo, em cujos arquivos deveriam se encontrar os preciosos documentos. Graças aos amigos Profª Rosi Vani Conforto e Prof. Nelson Bertazoni eles foram  localizados,  cópias deles estão em minhas mãos e o que é mais importante, ficou afastado o temor de um extravio.

            Volto agora para os dias atuais, setembro de 2011.De posse dos documentos, tratei antes de tudo,  de conhecer melhor o Sr. Lauro Schleder graças ao qual tantas informações preciosas me chegaram às mãos. Acessei um dos sites da Federação o www.feparana.com.br  e lá encontrei: Lauro Schleder, 1905-1984. Deixou dois livros publicados: Pioneirismo e humildade e  Em  prol da civilização do Espírito . Foi conselheiro da Federação Espírita do Paraná onde proferiu inúmeras exposições doutrinárias. Dirigiu,também, o periódico Mundo Espírita  por mais de 20 anos consecutivos, deixando a direção desse órgão quando seu estado de saúde não mais permitiu passando a direção do jornal  para Victor Ribas Carneiro. Quando se realizou o IV Congresso de Jornalistas e Escritores Espíritas em Curitiba , Lauro Schleder, um dos promotores do conclave, assim se expressou: A Codificação Kardequiana constitui-se na maior revolução espiritual que já envolveu o gênero humano, pois sem ela o próprio Cristianismo não se completaria. A posteridade, não tenhamos a menor dúvida, um dia isso reconhecerá, proclamando-o.

            Minha pesquisa, no site da Federação continua e lá encontro a biografia de outro Schleder, o Sr.João Pedro Schleder,1846 -1921. Pertenceu ao grupo fundador da Federação Espírita do Paraná e em 2/8/1908, passou a integrar a Comissão Central Permanente primeiro  Conselho Superior e Legislativo da nova entidade. Em 30 do mesmo mês e ano foi eleito presidente permanecendo no cargo até 11/4/1909. Quando desencarnou em 22/6/1921, era o conselheiro mais antigo com quase 20 anos de permanência.

            Minha pesquisa penetra agora na carta que o Sr. Lauro me enviou e lá encontro o nome completo do meu biografado :Miguel José Lourenço Schleder que era um dos  12 filhos, de Miguel Schleder e Mariana Pletz. relacionados na carta a mim enviada. Da relação destaco três dos irmãos do nosso principal biografado: 1) João Pedro Schleder, já citado acima como um dos fundadores da Federação Espírita do Paraná; 2) José Lourenço Schleder, um dos companheiros do Barão do Cerro Azul no maldoso assassínio da Serra do Mar, na trágica noite de 20 de maio de 1894; 3. Luís Miguel Schleder, pai do Sr. Lauro Schleder ,o missivista do qual recebi a maioria das informações que estou passando agora, com muita honra, para o meu público.

            Encerro esta primeira parte, prosseguindo na próxima postagem com a  transcrição da carta do Sr. Lauro Schleder.

           Aos meus leitores o meu muito obrigado pela atenção.

           Prof. José Daher