terça-feira, 17 de dezembro de 2013

BOA NOVA (ii)

                                                         MARIA


      Fechando as atividades do meu blog, neste ano de 2013, transcrevo, ainda do livro Boa Nova, o último capítulo, denominado "Maria", que enfoca os últimos tempos de vida física, da mãe de Jesus na Terra. A narrativa, é tão sensibilizante, não só pelos detalhes, como também pela beleza com que a faz esse gigante da arte literária que é Humberto de Campos, que sou levado a dividi-la com os meus leitores. Cabe desculpar-me pelos defeitos na apresentação gráfica, que debito à minha, ainda pouca habilidade na lida com esta máquina maravilhosa, que abre para nós uma imensidão de recursos, mas que tem lá os seus caprichos. Prossigamos.

MARIA
Junto da cruz, o vulto agoniado de Maria produzia dolorosa e indelével impressão.
Com o pensamento ansioso e torturado, olhos fixos no madeiro das perfídias humanas, a ternura materna regredia ao passado em amarguradas recordações.Ali estava, na hora extrema, o filho bem-amado.
Maria deixava-se ir na corrente infinda das lembranças. Eram as circunstâncias maravilhosas em que o nascimento de Jesus lhe fora anunciado, a amizade de Isabel, as profecias do velho Simeão, reconhecendo que a assistência de Deus se tornara incontestável nos menores detalhes de sua vida. Naquele instante supremo, revia a manjedoura, na sua beleza agreste, sentindo que a Natureza parecia desejar redizer aos seus ouvidos o cântico de glória daquela noite nolvidável. Através do véu espesso das lágrimas, repassou, uma por uma, as cenas da infância do filho estremecido, observando o alarma interior das mais doces reminiscências.
Nas menores coisas, reconhecia a intervenção da Providência celestial entretanto, naquela hora, seu pensamento vagava também pelo vasto mar das mais aflitivas interrogações
Que fizera Jesus por merecer tão amargas penas? Não o vira crescer de sentimentos imaculados, sob o calor de seu coração? Desde os mais tenros anos quando o conduzia à fonte tradicional de Nazaré, observava o carinho fraterno que dispensava a todas as criaturas.
 Freqüentemente, ia buscá-lo nas ruas empedradas, onde a sua palavra carinhosa consolava os transeunte desamparados e tristes. Viandantes misérrimos vinham a sua casa modesta louvar o filhinho idolatrado, que sabia distribuir as bênçãos do Céu. Com que enlevo recebia os hóspedes inesperados que suas mãos minúsculas conduziam carpintaria de José!... Lembrava-se bem de que, um dia, a divina criança guiara a casa dois malfeitores publicamente reconhecidos como ladrões do vale de Mizhep.
E era de ver-se a amorosa solicitude com que seu vulto pequenino cuidava dos desconhecidos, como se fossem seus irmãos. Muitas vezes, comentara a
excelência daquela virtude santificada, receando pelo futuro de seu adorável filhinho.
Depois do caricioso ambiente doméstico, era a missão celestial, dilatando-se em colheita de frutos maravilhosos.
 Eram paralíticos que retomavam os movimentos da vida, cegos que se reintegravam nos sagrados dons da vista, criaturas famintas de luz e de amor que se saciavam na sua lição de infinita bondade.
Que profundos desígnios haviam conduzido seu filho adorado à cruz do suplício?
Uma voz amiga lhe falava ao espírito, dizendo das determinações insondáveis e justas de Deus, que precisam ser aceitas para a redenção divina das criaturas.
Seu coração rebentava em tempestades de lágrimas irreprimíveis; contudo, no santuário da consciência, repetia a sua afirmação de sincera humildade: “Faça-se na escrava a vontade do Senhor!
De alma angustiada, notou que Jesus atingira o último limite dos padecimentos inenarráveis. Alguns dos populares mais exaltados multiplicavam as pancadas, enquanto as lanças riscavam o ar, em ameaças audaciosas e sinistras. Ironias mordazes eram proferidas a esmo, dilacerando-lhe a alma sensível e afetuosa.
Em meio de algumas mulheres compadecidas, que lhe acompanhavam o angustioso transe, Maria reparou que alguém lhe pousara as mãos, de leve, sobre os ombros.
Deparou-se-lhe a figura de João que, vencendo a pusilanimidade criminosa em que haviam mergulhado os demais companheiros, lhe estendia os braços amorosos e reconhecidos. Silenciosamente, o filho de Zebedeu abraçou-se ao triturado coração maternal. Maria deixou-se enlaçar pelo discípulo querido e ambos, ao pé do madeiro, em gesto súplice, buscaram ansiosamente a luz daqueles olhos misericordiosos, no cúmulo dos tormentos. Foi aí que a fronte do divino supliciado se moveu vagarosamente, revelando perceber a ansiedade daquelas duas almas em extremo desalento.
Meu filho! Meu amado filho!. . .“ exclamou a mártir, em aflição diante da serenidade daquele olhar de melancolia intraduzível.
O Cristo pareceu meditar no auge de suas dores, mas, como se quisesse demonstrar, no instante derradeiro, a grandeza de sua coragem e a sua perfeita comunhão com Deus, replicou com significativo movimento dos olhos vigilantes:
Mãe, eis aí teu filho!...“ E dirigindo-se, de modo especial, com um leve aceno, ao apóstolo, disse:
Filho, eis aí tua mãe!”
Maria envolveu-se no véu de seu pranto doloroso, mas o grande evangelista compreendeu que o Mestre, na sua derradeira lição, ensinava que o amor universal era o sublime coroamento de sua obra. Entendeu que, no futuro, a claridade do Reino de Deus revelaria aos homens a necessidade da cessação de todo egoísmo e que, no santuário de cada coração, deveria existir a mais abundante cota de amor, não só para o círculo familiar, senão também para todos os necessitados do mundo, e que no templo de cada habitação permaneceria a fraternidade real, para que a assistência recíproca se praticasse na Terra, sem serem precisos os edifícios exteriores, consagrados a uma solidariedade claudicante.
Por muito tempo, conservaram-se ainda ali, em preces silenciosas, até que o Mestre, exânime, fosse arrancado à cruz, antes que a tempestade mergulhasse a paisagem castigada de Jerusalém num dilúvio de sol.
Após a separação dos discípulos, que se dispersaram por lugares diferentes, para a difusão da Boa Nova, Maria retirou-se para a Betaneia , onde alguns parentes mais próximos a esperavam com especial carinho.
Os anos começaram a rolar, silenciosos e tristes, para a angustiada saudade de seu coração.
Tocada por grandes dissabores, observou que, em tempo rápido, as lembranças do filho amado se convertiam em elementos de ásperas discussões, entre os seus seguidores. Na Batanéia, pretendia-se manter uma certa aristocracia espiritual por efeito dos laços consangüíneos que ali a prendiam, em virtude dos elos que a ligavam a José. Em Jerusalém, digladiavam-se os cristãos e os judeus, com veemência e acrimônia. Na Galiléia, os antigos cenáculos simples e amoráveis da Natureza estavam tristes e desertos.
Para aquela mãe amorosa, cuja alma digna observava que o vinho generoso de Caná se transformara no vinagre do martírio, o tempo assinalava sempre uma saudade maior no mundo e uma esperança cada vez mais elevada no céu.
Sua vida era uma devoção incessante ao rosário imenso da saudade, às lembranças mais queridas. Tudo que o passado feliz edificara em seu mundo interior revivia na tela de suas lembranças, com minúcias somente conhecidas do amor, e lhe alimentavam a seiva da vida.
Relembrava o seu Jesus pequenino, como naquela noite de beleza prodigiosa, em que o recebera nos braços maternais, iluminado pelo mais doce mistério.
Figurava-se-lhe escutar ainda o balido das ovelhas que vinham, apressadas acercar-se do berço que se formara de improviso.
E aquele primeiro beijo, feito de carinho e de luz. As reminiscências envolviam a realidade longínqua de singulares belezas para o seu coração sensível e generoso.
 Em seguida, era o rio das recordações desaguando, sem cessar, na sua alma rica de sentimentalidade e ternura. Nazaré lhe voltava à imaginação, com as suas paisagens de felicidade e de luz. A casa singela, a fonte amiga, a sinceridade das afeições, o lago majestoso e, no meio de todos os detalhes, o filho adorado, trabalhando e amando, no erguimento da mais elevada concepção de Deus, entre os homens da Terra. De vez em quando, parecia vê-lo em seus sonhos repletos de esperança. Jesus lhe prometia o júbilo encantador de sua presença e participava da carícia de suas recordações.
A esse tempo, o filho de Zebedeu, tendo presentes as observações que o Mestre lhe fizera da cruz, surgiu na Batanéla, oferecendo àquele espírito saudoso de mãe o refúgio amoroso de sua proteção. Maria aceitou o oferecimento, com satisfação imensa.
E João lhe contou a sua nova vida. Instalara-se definitivamente em Éfeso, onde as idéias cristãs ganhavam terreno entre almas devotadas e sinceras. Nunca olvidara as recomendações do Senhor e, no íntimo, guardava aquele título de filiação das mais altas expressões de amor universal para com aquela que recebera o Mestre nos braços veneráveis e carinhosos.
Maria escutava-lhe as confidências, num misto de reconhecimento e de ventura.
João continuava a expor-lhe os seus planos mais insignificantes. Levá-la-ia consigo, andariam ambos na mesma associação de interesses espirituais. Ser seu filho desvelado, enquanto receberia de sua alma generosa a ternura maternal, nos trabalhos do Evangelho. Demorara-se a vir, explicava o filho de Zebedeu, porque lhe faltava uma choupana, onde se pudessem abrigar; entretanto, um dos membros da família real de Adiabene, convertido ao amor do Cristo, lhe doara uma casinha pobre, ao sul de Éfeso distando três léguas aproximadamente da cidade. A habitação simples e pobre demorava num promontório, de onde se avistava o mar. No alto da pequena colina, distante dos homens e no altar imponente da Natureza, se reuniriam ambos para cultivar a lembrança permanente de Jesus.
 Estabeleceriam um pouso e refúgio aos desamparados, ensinariam as verdades do Evangelho a todos os espíritos de boa-vontade e, como mãe e filho, iniciariam uma nova era de amor, na comunidade universal.
Maria aceitou alegremente.
Dentro de breve tempo, instalaram-se no seio amigo da Natureza, em frente do oceano. Éfeso ficava pouco distante; porém, todas as adjacências se povoavam de novos núcleos de habitações alegres e modestas. A casa de João, ao cabo de algumas semanas, se transformou num ponto de assembléias adoráveis, onde as recordações do Messias eram cultuadas por espíritos humildes e sinceros.
Maria externava as suas lembranças. Falava dele com maternal enternecimento, enquanto o apóstolo comentava as verdades evangélicas, apreciando os ensinos recebidos.
 Vezes inúmeras, a reunião somente terminava noite alta, quando as estrelas tinham maior brilho. E não foi só.
De corridos alguns meses, grandes fileiras de necessitados acorriam ao sitio singelo generoso. A notícia de que Maria descansava, agora, entre eles, espalhara um clarão de esperança por todos os sofredores. Ao passo que João pregava na cidade as verdades de Deus, ela atendia, no pobre santuário doméstico, aos que a procuravam exibindo-lhe suas úlceras e necessidades.
Sua choupana era, então, conhecida pelo nome de “Casa da Santíssima”.
O fato tivera origem em certa ocasião, quando um miserável leproso, depois de aliviado em suas chagas, lhe osculou as mãos, reconhecidamente murmurando:
Senhora, sois a mãe de nosso Mestre e nossa Mãe Santissima!”
A tradição criou raízes em todos os espíritos. Quem não lhe devia o favor de uma palavra maternal nos momentos mais duros? E João consolidava o conceito, acentuando que o mundo lhe seria eternamente grato, pois fora pela sua grandeza espiritual que o Emissário de Deus pudera penetrar a atmosfera escura e pestilenta do mundo para balsamizar os sofrimentos da críatura. Na sua humildade sincera, Maria se esquivava às homenagens afetuosas dos discípulos de Jesus, mas aquela confiança filial com que lhe reclamavam a presença era para sua alma um brando e delicioso tesouro do coração. O título de maternidade fazia vibrar em seu espírito os cânticos mais doces. Diariamente, acorriam os desamparados, suplicando a sua assistência espiritual. Eram velhos trôpegos e desenganados do mundo, que lhe vinham ouvir as palavras confortadoras e afetuosas, enfermos que invocavam a sua proteção, mães infortunadas que pediam a bênção de seu carinho.
         “Minha mãe dizia um dos mais aflitos como poderei vencer as minhas dificuldades? Sinto-me abandonado na estrada escura da vida...
Maria lhe enviava o olhar amoroso da sua bondade, deixando nele transparecer toda a dedicação enternecida de seu espírito maternal.
Isso também passa! dizia ela, carinhosamente só o Reino de Deus é bastante forte para nunca passar de nossas almas, como eterna realizado amor celestial.”
Seus conceitos abrandavam a dor dos mais desesperados, desanuviavam o pensamento obscuro dos mais acabrunhados.
A igreja de Éfeso exigia de João a mais alta expressão de sacrifício pessoal, pelo que, com o decorrer do tempo, quase sempre Maria estava só, quando a legião humilde dos necessitados descia o promontório desataviado, rumo aos lares mais confortados e felizes. Os dias e as semanas, os meses e os anos passaram incessantes, trazendo-lhe as lembranças mais ternas. Quando sereno e azulado, o mar lhe fazia voltar à memória o Tiberíades distante.
Surpreendia no ar aqueles perfumes vagos que enchiam a alma da tarde, quando seu filho, de quem nem um instante se esquecia, reunindo os discípulos amados, transmitia ao coração do povo as louçanias da Boa Nova. A velhice não lhe acarretara nem cansaços nem amarguras. A certeza da proteção divina lhe proporcionava ininterrupto consolo.
Como quem transpõe o dia em labores honestos e proveitosos, seu coração experimentava grato repouso, iluminado pelo luar da esperança e pelas estrelas fulgurantes da crença imorredoura. Suas meditações eram suaves colóquios com as reminiscências do filho muito amado.
Súbito recebeu notícias de que um período de dolorosas perseguições se havia aberto para todos os que fossem fiéis à doutrina do seu Jesus divino. Alguns cristãos banidos de Roma traziam a Éfeso as tristes informações.
 Em obediência aos éditos mais injustos, escravizavam-se os seguidores do Cristo, destruíam-se-Ihes os lares, metiam-nos a ferros nas prisões. Falava-se de festas públicas, em que seus corpos eram dados como alimento a feras insaciáveis, em horrendos espetáculos.
Então, num crepúsculo estrelado, Maria entregou-se às orações, como de costume, pedindo a Deus por todos aqueles que se encontrassem em angústias do coração, por amor de seu filho.
Embora a soledade do ambiente, não se sentia só, uma como força singular lhe banhava a alma toda. Aragens suaves sopravam do oceano, espalhando os aromas da noite que se povoava de astros amigos e afetuosos e, em poucos minutos, a lua plena participava, igualmente, desse concerto de harmonia e de luz.
Enlevada nas suas meditações, Maria viu aproximar-se o vulto de um pedinte.
Minha mãe exclamou o recém-chegado, como tantos outros que recorriam ao seu carinho —, venho fazer-te companhia e receber a tua bênção.
Maternalmente, ela o convidou a entrar, impressionada com aquela voz que lhe inspirava profunda simpatia. O peregrino lhe falou do céu, confortando-a delicadamente. Comentou as bem aventuranças divinas que aguardam a todos os devotados e sinceros filhos de Deus, dando a entender que lhe compreendia as mais ternas saudades do coração. Maria sentiu-se empolgada por tocante surpresa. Que mendigo seria aquele que lhe acalmava as dores secretas da alma saudosa, com bálsamos tão dulçorosos?
 Nenhum lhe surgira até então para dar; era sempre para pedir alguma coisa. No entanto, aquele viandante desconhecido lhe derramava no íntimo as mais santas consolações. Onde ouvira noutros tempos aquela voz meiga e carinhosa?! Que emoções eram aquelas que lhe faziam pulsar o coração de tanta carícia? Seus olhos se umedeceram de ventura, sem que conseguisse explicar a razão de sua terna emotividade.
Foi quando o hóspede anônimo lhe estendeu as mãos generosas e lhe falou com profundo acento de amor: Minha mãe, vem aos meus braços!”
Nesse instante, fitou as mãos nobres que se lhe ofereciam, num gesto da mais bela ternura. Tomada de comoção profunda, viu nelas duas chagas, como as que seu filho revelava na cruz e, instintivamente, dirigindo o olhar ansioso para os pés do peregrino amigo, divisou também aí as úlceras causadas pelos cravos do suplício. Não pôde mais. Compreendendo a visita amorosa que Deus lhe enviava ao coração, bradou com infinita alegria:
Meu filho! meu filho! as úlceras que te fizeram!. . .
“E precipitando-se para ele, como mãe carinhosa e desvelada, quis certificar-se, tocando a ferida que lhe fora produzida pelo último lançaço, perto do coração.
Suas mãos ternas e solícitas o abraçaram na sombra visitada pelo luar, procurando sofregamente a úlcera que tantas lágrimas lhe provocara ao carinho maternal. A chaga lateral também lá estava, sob a carícia de suas mãos. Não conseguiu dominar o seu intenso júbilo. Num ímpeto de amor, fez um movimento para se ajoelhar. Queria abraçar-se aos pés do seu Jesus e osculá-los com ternura. Ele, porém, levantando-a, cercado de um halo de luz celestial, se lhe ajoelhou aos pés e, beijando-lhe as mãos, disse em carinhoso transporte:
Sim, minha mãe, sou eu!... Venho buscar-te, pois meu Pai quer que sejas no meu reino a Rainha dos Anjos. .
Maria cambaleou, tomada de inexprimível ventura. Queria dizer da sua felicidade, manifestar seu agradecimento a Deus; mas o corpo como que se lhe paralisara, enquanto aos seus ouvidos chegavam os ecos suaves da saudação do Anjo, qual se a entoassem mil vozes cariciosas, por entre as harmonias do céu.
No outro dia, dois portadores humildes desciam a Éfeso, de onde regressaram com João, 
para assistir aos últimos instantes daquela que era a devotada Mãe Santíssima.
Maria já não falava. Numa inolvidável expressão de serenidade, por longas horas ainda esperou a ruptura dos derradeiros laços que a prendiam à vida material..

.                                                                   

A alvorada desdobrava o seu formoso leque de luz quando aquela alma eleita se elevou da Terra, onde tantas vezes chorara de júbilo, de saudade ,e  de esperança. Não mais via seu filho bem-amado, que certamente a esperaria com as boas - vindas, no seu reino de amor; mas, extensas multidões de entidades angelicas a cercavam cantando hinos de glorificação; experimentando a sensação de se estar afastando do mundo, desejou rever a Galileia com seus sítios preferidos. Bastou a manifestação de sua vontade para que a conduzissem à região do lago de Genesaré,  de maravilhosa beleza. Reviu todos os quadros do apostolado de seu filho e, só agora, observando  do alto a paisagem, notava que o Tiberíades, em seus contornos suaves, apresentava a forma quase perfeita de um alaúde. 
Lembrou-se, então,  de que naquele instrumento da  Natureza Jesus cantara o mais belo poema de vida e amor, em homenagem a Deus e à humanidade. Aquelas águas mansas, filhas do Jordão marulhoso e calmo, haviam sido as cordas sonoras do cântigo evangélico.
 Dulcíssimas alegrias lhe invadiam o coração e já a caravana espiritual.se dispunha a partir,
quando Maria se lembrou dos discípulos perseguidos pela crueldade do mundo e desejou abraçar os que ficaram no vale das sombras, à espera das claridades definitivas do Reino
 de Deus. Emitindo esse pensamento, imprimiu novo impulso às multidões espirituais que a
seguiam de perto. Em poucos instantes, seu olhar divisava uma cidade soberba e maravilhosa, espalhada sobre colinas enfeitadas de carros e monumentos que lho provocavam 
assombro. Os mármores mais ricos esplendiam nas magnificentes vias públicas, onde as liteiras patrícias passavam sem cessar, exibindo pedrarias e peles, sustentadas por miserrimos escravos. Mais alguns momentos e seu olhar descobria outra multidão guardada a ferros em escuros calabouços. Penetrou os sombrios cárceres do Esquilino, onde centenas de
rostos amargurados retratavam padecimentos atrozes. Os condenados experimentaram no coração um consolo desconhecido. 
Maria se aproximou de um a um, participou de suas angústias e orou com as suas preces, 
cheias de sofrimento e confiança. Sentiu-se mãe daquela assembleia de torturados pela in
justiça do mundo… Espalhou  a claridade misericordiosa de seu espírito entre aquelas fisionomias pálidas e tristes. Eram anciães que confiavam no Cristo, mulheres que por ele háviam desprezado o conforto do lar, jovens que depunham no Evangelho do Reino toda a sua esperança. Maria aliviou-lhes o coração e, antes de partir, sinceramente desejou deixar-lhes nos espíritos abatidos uma lembrança perene. Que possuía para lhes dar? Deveria suplicar a Deus para eles a liberdade?!. Mas, Jesus ensinara que com ele todo jugo é suave e todo fardo seria leve, parecendo-lhe melhor a escravidão com Deus do que a falsa liberdade nos desvãos do mundo. Recordou que seu filho deixara a força da oração como um poder incontrastável entre os discípulos amados.
 Então, rogou ao Céu que lhe desse a possibilidade de deixar entre os cristãos oprimidos a força da alegria..Foi quando,
aproximando-se de uma jovem encarcerada, de rosto descarnado e macilento, lhe disse 
ao ouvido:
-"Canta, minha filha! Tenhamos bom ânimo!...Convertamos as nossas dores da Terra em
alegrias para o Céu!...,"
A triste prisioneira nunca saberia compreender o porquê da emotividade que lhe fez vibrar subitamente o coração. De olhos extáticos, contemplando o firmamento luminoso, através 
das grades poderosas, ignorando a razão de sua alegria, cantou um hino de profundo e
 enternecido amor a Jesus, em que traduzia sua gratidão pelas dores que lhe eram enviadas, transformando todas as suas amarguras em consoladoras rimas de júbilo e esperança. 
Daí a instantes, seu canto melodioso era acompanhado pelas centenas de vozes dos que choravam no cárcere, aguardando o glorioso testemunho...
 Logo a caravana majestosa conduziu ao Reino do Mestre a bendita entre as mulheres e, 
desde esse dia, nos tormentos mais duros, os discípulos de Jesus têm cantado na Terra,
 exprimindo o seu bom ânimo e a sua  alegria, guardando a suave herança da nossa Mãe
 Santíssima.
……………………………………………………………
Por essa razão, irmãos meus, quando ouvirdes o cântico nos templos das diversas famílias
religiosas do Cristianismo, não vos esqueçais de fazer no coração um brando silêncio, para
que a Rosa Mística de Nazaré espalhe aí o seu perfume! 


segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Boa Nova


 BOA NOVA(I)

            O escritor Humberto de Campos,  desencarnado em 1933, passou a   produzir ,  a partir de 1937, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier,  uma série de livros, que culminariam em 1944, com uma ação na justiça, movida pela família do escritor. Até então, haviam sido dadas a público , pela Federação Espírita Brasileira, responsável pelas edições, cinco livros: Crônicas de Além-Túmulo, Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, Novas Mensagens, Boa Nova, Reportagens de Além-Túmulo.
              A ação tinha por objetivo o reconhecimento pela justiça, dos direitos autorais das obras publicadas e era movida contra o médium Francisco Cândido Xavier e a Editora da Federação Espírita Brasileira. A Justiça, deu ganho de causa, aos que, na ação figuravam como réus, isto é, o médium e a Federação Espírita Brasileira, mas o episódio gerou, principalmente no meio literário brasileiro, muitas polêmicas, comparáveis às que aconteceram quando foi publicado o “Parnaso de Além-Túmulo,” primeira obra psicográfica de Francisco Cândido Xavier. Os dois acontecimentos, com grande repercussão em suas respectivas épocas, pertencem hoje à história do Espiritismo no Brasil. Aos meus leitores estudiosos, informo que os registros desses e de outros acontecimentos importantes,  encontram-se como precioso material de pesquisa, não só na literatura espírita, como nos meios eletrônicos,  principalmente no Google, à disposição dos internautas. Na postagem de hoje, farei a transcrição do terceiro capítulo do livro “Boa Nova” que,na ordem cronológica é a quarta obra psicografada  do escritor.

                                                    PRIMEIRAS PREGAÇÕES
              Nos primeiros dias do ano 30, antes de suas gloriosas manifestações, avistou-se Jesus com o Batista, no deserto triste da Judeia, não muito longe das areias ardentes da Arábia. Ambos estiveram juntos, por alguns dias, em plena natureza, no campo ríspido do jejum e da penitência do grande precursor, até que o Mestre Divino, despedindo-se do companheiro, demandou o Oasis de Jericó, uma bênção de verdura e águas entre as inclemências da estrada agreste. De Jericó dirigiu-se então a Jerusalém, onde repousou, ao cair da noite.
                Sentado como um peregrino, nas adjacências do templo, Jesus foi notado por um grupo de sacerdotes e pensadores ociosos, que se sentiram atraídos pelos seus traços de formosa originalidade e pelo seu olhar lúcido e profundo. Alguns deles se afastaram, sem maior interesse, mas Hanã, que seria, mais tarde, o juiz inclemente de sua causa,  aproximou-se do desconhecido e dirigiu-se-lhe com orgulho:
                Galileu, que fazes na cidade?                                                                                             Passo por Jerusalém buscando a fundação do Reino de Deus! exclamou o Cristo, com   modesta nobreza.
                 Reino de Deus? tornou o sacerdote com acentuada ironia.E que pensas tu venha a ser isso?
                 Esse reino é a obra divina no coração dos homens! Esclareceu Jesus com grande serenidade.
                 Obra divina em tuas mãos? revidou Hanã, com uma gargalhada de desprezo. E continuando as suas observações irônicas, perguntou:
                   Com que contas para levar avante essa difícil empresa? Quais são os teus seguidores e companheiros?... Acaso terás conquistado o apoio de algum príncipe desconhecido e ilustre, para auxiliar-te na execução de teus planos?
                    Meus companheiros hão de chegar de todos os lugares respondeu o mestre com humildade.
                    Sim observou Hanã -, os ignorantes e os tolos estão em toda parte na Terra. Certamente com esses, representarás o material de tua edificação. Entretanto, propões-te realizar uma obra divina, e já viste alguma estátua perfeita modelada em fragmentos de lama?
                     Sacerdote, replicou-lhe Jesus com energia-, nenhum mármore existe mais puro e mais formoso do que o sentimento, e nenhum cinzel é superior ao da boa vontade.                                                                                                                                                         Impressionado com a resposta firme e inteligente, o famoso juiz ainda interrogou: conheces Roma ou Atenas?
                      Conheço o amor e a verdade, disse Jesus convictamente.
                      Tens ciência dos códigos da Corte Provincial e das leis do Templo? Inquiriu Hanã inquieto.
                      Sei qual a vontade de meu Pai que está nos céus, respondeu o Mestre brandamente.
                       O sacerdote o contemplou irritado e, dirigindo-lhe um sorriso de profundo desprezo, demandou a Torre Antônia, em atitude de orgulhosa superioridade.
                       No dia seguinte pela manhã, o mesmo formoso peregrino foi ainda visto a contemplar as maravilhas do santuário, antes alguns minutos de internar-se pelas estradas banhadas de sol, a caminho de sua Galileia distante.
                        Daí a algum tempo, depois de haver passado por Nazaré, descansando igualmente em Caná, Jesus se encontra nas circunvizinhanças da cidadezinha de Cafarnaum,  como se procurasse, com viva atenção, algum amigo que estivesse à sua espera.
                         Em breves instantes, ganhou as margens do Tiberíades e se dirigiu, resolutamente, a um grupo alegre de pescadores, como se, de antemão, os conhecesse a todos.
                         A manhã era, no seu manto diáfano, de radiosas neblinas. As águas transparentes vinham beijar os eloendros da praia, como se brincassem ao sopro das virações perfumadas da natureza. Os pescadores entoavam uma cantiga rude e, dispondo inteligentemente as barcaças móveis, deitavam as redes, em meio de profunda alegria. Jesus aproximou-se do grupo e, assim que dois deles desembarcaram em Terra, falou-lhes com amizade.
                          Simão e André, filhos de Jonas, venho da parte de Deus e vos convido a trabalhar pela instituição de seu reino na Terra!
                           André lembrou-se de já o ter visto, nas cercanias de Betsaída, e o que lhe haviam dito a seu respeito, enquanto que Simão, embora agradavelmente surpreendido, o contemplava, enlevado. Mas, quase a um só tempo, dando expansão aos seus temperamentos acolhedores e sinceros, exclamaram respeitosamente:
                            Sede bem-vindo!
                             Jesus então lhes falou docemente do Evangelho, com o olhar incendido de júbilos divinos.
                             Estando muitos outros companheiros do lago a observar de longe os três, André, manifestando a sua tocante ingenuidade, exclamou comovido:
                             Um rei? Mas em Cafarnaum existem tão poucas casas!...
                              Ao que Pedro obtemperou, como se a boa vontade devesse suprir todas as deficiências:
                              O lago é muito grande e há várias aldeias circundando estas águas .O   reino poderá abrangê-las todas!
                               Isso dizendo, fixou em Jesus o olhar perquiridor, como se fora uma grande criança meiga e sincera, desejosa de demonstrar compreensão e bondade. O Senhor esboçou um sorriso sereno e, como se adiasse com prazer as suas explicações para mais tarde, inquiriu generosamente:
                                 Quereis ser meus discípulos?
                                  André e Simão se interrogaram a si mesmos, permutando sentimentos de admiração embevecida. Refletia Pedro: que homem seria aquele? Onde já lhe escutara o timbre carinhoso da voz íntima e familiar? .Ambos os pescadores se esforçavam para dilatar o domínio de suas lembranças, de modo a encontrá-lo nas recordações mais queridas. Não sabiam, porém, como explicar aquela fonte de confiança e de amor que lhes brotava no âmago do espírito e, sem hesitarem, sem uma sombra de dúvida, responderam simultaneamente:
                                   Senhor, seguiremos os teus passos.
                                   Jesus os abraçou com imensa ternura e, como os demais companheiros se mostrassem admirados e trocassem entre si ditérios ridi-
cularizadores, o Mestre, acompanhado de ambos e de grande grupo de curiosos, se encaminhou para o centro de Cafarnaum, onde se erguia a intendência de Ântipas. Entrou calmamente na coletoria e, avistando um funcionário culto, conhecido publicano da cidade, perguntou-lhe:
                                     Que fazes tu, Levi?
                                    O interpelado fixou-o com surpresa; mas, seduzido pelo suave magnetismo de seu olhar, respondeu sem demora:
                                     Recolho os impostos do povo, devidos a Herodes.
                                    Queres vir comigo para recolher os bens do céu? Perguntou-lhe Jesus, com firmeza e doçura.
                                     Levi, que seria mais tarde o apóstolo Mateus, sem que pudesse definir as santas emoções que lhe dominaram a alma, atendeu, comovido:
                                     Senhor, estou pronto!
                                     Então, vamos disse Jesus, abraçando-o.
                                     Em seguida, o numeroso grupo se dirigiu para a casa de Simão Pedro, que oferecera ao Messias acolhida sincera em sua residência humilde, onde o Cristo fez a primeira exposição de sua consoladora doutrina, esclarecendo que a adesão desejada era a do coração sincero e puro, para sempre, às claridades do seu reino. Iniciou-se naquele instante a eterna união dos inseparáveis companheiros.
                                      Na tarde desse mesmo dia, o Mestre fez a primeira pregação da Boa Nova na praça ampla, cercada de verdura e situada naturalmente junto às águas. No céu vibravam harmonias vespertinas, como se a tarde possuísse também uma alma sensível. As árvores vizinhas acenavam os ramos verdes ao vento do crepúsculo, como mãos da Natureza que convidassem os homens à celebração daquele primeiro ágape. As aves ariscas pousavam de leve nas alcaparreiras mais próximas, como se também desejassem senti-lo, e na praia extensa se acotovelava a grande multidão de pescadores rústicos, de mulheres aflitas por continuadas flagelações, de crianças sujas e abandonadas, misturados publicanos pecadores com homens analfabetos e simples, que haviam acorrido, ansiosos por ouvi-lo.
                          Jesus contemplou a multidão e enviou-lhe um sorriso de satisfação.
                          Contrariamente às ironias de Hanã, ele aproveitaria o sentimento como mármore precioso e a boa vontade como cinzel divino. Os ignorantes do mundo, os fracos, os sofredores, os desalentados, os doentes e os pecadores seriam em suas mãos o material de base para a sua construção eterna e sublime. Converteria toda miséria e toda dor num cântico de alegria e, tomado pelas inspirações sagradas de Deus, começou a falar da maravilhosa beleza do seu reino. Magnetizado pelo seu amor, o povo o escutava num grande transporte de ventura. No céu havia uma vibração de claridade desconhecida.
                          Ao longe, no firmamento de Cafarnaum, o horizonte se tornara um deslumbramento de luz e, bem no alto, na cúpula dourada e silenciosa, as nuvens delicadas e alvas tomavam a forma suave das flores e dos arcanjos do Paraíso.           

 

            Retomando os meus comentários lembro que com  o encerramento do episódio da ação judicial a participação literária desse luminoso espírito prosseguiu, e a partir de 1945 até 1989 mais  9 livros foram editados embora com a assinatura de um pseudônimo. Relaciono-os abaixo esclarecendo que, as obras assinaladas com asterísco já serviram de fonte para postagens anteriores deste blog. Interessante dizer que, paralelamente a produção literária exclusiva o nosso escritor colaborou com contos e crônicas em livros cujos autores constam como “espíritos diversos”. Eis os livros,  editados entre os anos de  1945 e 1989:
              1)Lázaro Redivivo 2)Luz Acima 3)Pontos e Contos(*) 4) Contos e Apólogos 5) Contos desta e doutra Vida(*) 6)Cartas e Crônicas 7)Estante da Vida 8)Relatos da Vida 9) Histórias e Anotações
                Encerrando, agradeço a atenção dos meus pacientes leitores sugerindo que, caso desejem aliar a beleza literária de um dos maiores prosadores de língua portuguesa, às informações oriundas do plano espiritual, basta compulsar qualquer um dos livros da lavra de Humberto de  Campos. As bibliotecas e livrarias espíritas dispõem deles.

            Até a próxima

            Prof. Nazir