quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

HISTÓRIAS DO RECANTO(II)

                        As histórias acontecidas no Recanto e que merecem registro não obedecem a uma ordem cronológica. A que estou me propondo contar agora, aconteceu no final de 2009, quando o Recanto estava em processo de desativação. Envolve um ex-interno, o Sr. Júlio Cesário da Costa e um grande amigo nosso, o Sr. Eloy Fumaneri. Retrocedamos ao mês de dezembro de 2009 e recapitulemos os acontecimentos que antecederam à desativação.

                        Explicar os motivos que nos levaram a desativar o Recanto seria tarefa repetitiva uma vez que já dei todas as explicações nas quatro etapas de minha postagem com o título “Recanto Fraterno”. Passo então a falar das primeiras providências que a desativação exigia. Dirigimo-nos a cada um dos internos  explicando a impossibilidade de continuar com o Recanto e mostrando as  alternativas que se ofereciam, afim de que escolhessem aquela que atendesse sua preferência. Não foi tarefa fácil porque   o simples fato de dizer a uma pessoa que ela deverá mudar-se da casa onde se encontra, para outra,  é impactante e todos os esforços que sejam envidados  para aliviar o choque,  não oferecem resultados imediatos, embora transmitindo a certeza de que uma nova moradia para cada um deles estaria assegurada. É importante que se diga isso, porque  os plantonistas da maledicência estão sempre atentos para aproveitar lances dessa natureza e destilar o seu veneno. Expressões como “fecharam o Recanto e jogaram todos os velhinhos na rua” correram soltas pela  cidade, ditas e repetidas sem a menor cerimônia, apesar do absurdo que representavam.

                        Podemos dividir em duas  as alternativas : na primeira o idoso se transferiria para a casa de familiares ou amigos que aceitassem recebê- lo;  na segunda, era transferido para o Abrigo dos Velhos, mantido pela Sociedade de Assistência aos Necessitados de Paranaguá,  que, graças às gestões do nosso bom amigo Sílvio Moreira da Fonseca, colocou a nossa disposição um significativo número de vagas, masculinas e femininas, para acolher aqueles que optassem por ser lá internados. Oito dos internos optaram pela  primeira alternativa, isto é, foram para a casa de parentes ou amigos e apenas três foram para o Abrigo . Dentre os que  estavam no segundo grupo, destacamos o Sr. Júlio Cesário da Costa, que antes de aderir ao segundo grupo firmara posição de não se mudar para lugar nenhum,  intentando resistir a qualquer tentativa de sair da casa que ocupava e onde  literalmente se entrincheirou. Estava criado um impasse, verdadeiro desafio para quem tinha a incumbência do desabrigamento, no caso a Sra. Maria Angélica Accioly Gomes que assumira o cargo de Diretora do Recanto Fraterno por solicitação do Presidente de então, Sr. Pedro Martim Teixeira e em face do pedido de demissão do Diretor anterior. Coadjuvei a Diretora nesse trabalho pois antevia as dificuldades que teriam de ser por ela  enfrentadas .

                        A primeira tarefa a que me impus foi  tentar  com o Sr. Júlio um diálogo e para isso, pacientemente, entabolei conversação,  explicando que, para  ele, infelizmente, não havia outra opção senão o Abrigo, dada a inexistência de parentes que pudessem acolhê-lo. Que o Abrigo era um lugar com amplo espaço onde ele teria a alimentação pronta e já servida num refeitório, bem como cama feita e devidamente higienizada. Que tanto as refeições como o leito de dormir estavam em   espaços coletivos significando isso que ele teria muitos amigos com os quais  partilharia  e que estariam sempre disponíveis para, colaborando com os cuidadores da casa,   darem segurança em caso de qualquer problema principalmente os de  saúde.

                        Permito-me. nesta altura  da minha crônica, explicitar um questionamento que farão por certo os meus leitores de cabeça arejada: se desativamos um asilo com afirmações que o sistema asilar não é o ideal,  perdendo de longe para a vivência no seio da família, como transferir para outro asilo parte dos internos que lá viviam?  A resposta está nas postagens que já dei à publicidade anteriormente, com base no relatório elaborado pela Diretora encarregada do desabrigamento. Inadequada era a modalidade asilar que prevalecia no Recanto Fraterno onde os  internos, morando sozinhos, ficavam  sujeitos a sofrer acidentes ou passar por crises de saúde sem ninguém por perto para socorrê-lo. Tudo isso em nome de uma ilusória autonomia. Dar a uma pessoa condições de vida para a qual ela não tem o mínimo preparo é um passo no escuro. Os asilos tradicionais, com dormitórios e refeitórios coletivos, atendem satisfatoriamente às exigência legais e, por muito tempo ainda, continuarão a prestar seus valiosos serviços às comunidades onde se encontram. Morando sozinho numa casa,  com todo o conforto de que dispunha a pequena residência, o asilado do Recanto raramente estava capacitado para gerenciar a própria vida, pois sem noção de economia doméstica, gastava muito mal o dinheiro de que dispunha, não dava à casa onde morava, nem aos alimentos que preparava os cuidados mínimos de higiene para  proteger a própria saúde, e rebelava-se contra as visitas dos funcionários encarregados das providências que se faziam necessárias. Em meu diálogo com o Sr. Julio, procurei, com muito cuidado,   convencê-lo de que estaria mais seguro no Abrigo de Paranaguá. Que todos estariam se mudando e ele ficaria sozinho no Recanto. O homem mostrava-se porém, irredutível, dizendo que nenhuma autoridade poderia obrigá-lo a sair do local onde se encontrava. Mas aí, dos lábios dele, viria a solução salvadora. Disse-me , na sua simplicidade, que só reconhecia autoridade  para determinar qual seria sua atitude, numa pessoa: o Sr. Eloy Fumaneri. Perguntei a ele se concordaria em receber uma visita do Sr. Eloy. Disse que sim, que concordaria em conversar com o Sr. Eloy. Meio incrédulo fui à procura do Sr. Eloy narrando o que se passava e solicitando a sua ajuda.Com a boa vontade e gentileza que sempre o caracterizaram o Sr. Eloy concordou marcando um horário depois de consultar sua agenda. E no dia marcado lá foi ele conversar com o Sr. Júlio. O resultado apesar de esperado me surpreendeu. A transformação que se operou na postura do Sr. Júlio eu diria milagrosa se eu acreditasse em milagres. Após ouvir o seu entrevistador  o Sr. Júlio não só concordou com a mudança como tomou todas as providências que para  tal lhe cabiam, e passou a aguardar com alegria e até com certa ansiedade o dia da viagem. Menos de três dias depois fizemos embarcar no veículo da instituição os três, agora desabrigados do Recanto, para o novo lar em Paranaguá.   Júlio, Otília e Neusa foram recebidos pelos encarregados da casa e acomodados nas instalações do Abrigo.  Isso foi há dois anos. Nesse período, faleceram Júlio e Otília. Júlio era cardíaco e a previsão médica é de que ele poderia , a qualquer momento sofrer um ataque fatal. E foi o que aconteceu após alguns meses de permanência no Abrigo. Não lhe faltou todavia, o pronto atendimento médico  no Hospital Central que se situa a pequena distância do abrigo, e dispensados a ele todos os cuidados  que seu caso exigia. Otília era a mais idosa, tinha 89 anos, estava impossibilitada de locomover-se e permaneceu acamada durante todo o tempo que esteve no abrigo. Seu falecimento é mais recente.  Neusa permanece no Abrigo.

                        Não poderia encerrar esta postagem sem comentar o episódio em que o Sr. Eloy praticamente nos tirou de um “beco sem saída”. Donde proveio o incrível poder de persuasão por ele demonstrado em relação ao Sr. Júlio?   Tudo feito com sinceridade- marca registrada  do Sr. Eloy,- em favor do próprio Sr. Júlio, sem manobras ou estratégias não recomendáveis.  Por isso, penso ter a resposta , uma  resposta pessoal minha. Eloy Fumaneri  é um  homem  afável, isto é, delicado no trato, fácil e cortês nas relações, agradável, benévolo... e por aí vai. Isto lhe vale fortíssimos laços de amizade aqui na Terra e uma parceria com os anjos. Anjos ? Amigos não estou fantasiando, os anjos existem embora eu, como espírita, use a designação de espíritos protetores. É grande o número deles, muitos entre  nós, sempre prontos a dar uma mãozinha a quem se disponha a fazer o bem. Prestem atenção agora, caros leitores. Quando digo que o Eloy tem parceria com os anjos faço-o respaldado em acontecimentos  protagonizados por ele em 21 de novembro de 1991, há mais de vinte anos portanto. Foi ele acometido de uma peritonite aguda decorrente de uma apendicite supurada. Na UTI da Santa Casa de Curitiba, submetido a cirurgia que o caso exigia ele “morreu e ressuscitou” três vezes. Os ressuscitadores foram, naturalmente, os médicos que o atendiam. Acordado depois de ter escutado até o choro dos familiares que o julgavam morto e depois de assentada a poeira, o nosso herói contou. Contou coisas surpreendentes. Disse  que nas três vezes em  que sofreu o apagão, sentiu--se do lado de lá, onde “ viu e ouviu coisas”.  Os detalhes que o Eloy me passou, numa entrevista que me prometera há anos e que foi cumprida recentemente, será publicada em minha próxima  postagem. Está tudo anotado. Até lá . Abraços do

Prof. Nazir