quarta-feira, 6 de abril de 2011

O PASSADO REDIVIVO




Pai e Filho
        
          O pai, Bernardo Bittencourt.     O filho, José Dirceu
Bittencourt, o Vino. Duas pessoas, que em épocas diferentes deixaram em mim marcas profundas, hoje lembranças que  guardo com muito carinho.
         Morávamos, minha família e eu, naquele casarão de madeira situado na rua Conselheiro Sinimbu, proximidades da Praça Rocha Pombo. A edificação,  hoje preservada e guardando as mesmas características que tinha quando ali residíamos, abriga atualmente o restaurante Estação  Graciosa.
         O senhor Bernardo trabalhava na estrada de ferro e era o responsável pela seção das bagagens. Muito rigoroso no exercício de suas funções, reclamava quando subalternos ou clientes  não obedeciam as normas para o perfeito funcionamento da seção que comandava. Todos o respeitavam e alguns até o temiam.  Mas, terminado o expediente, seu Bernardo que era amigo de meus pais, fazia-nos uma visitinha. E lá, em contacto com meu irmão caçula,  o Mussi, então um pecorrucho   que andava pela casa toda
 mas que ainda estava aprendendo a falar, o homem se adocicava. Brincava com o menino começando pela entrada em nossa casa, pisando no assoalho com força como se estivesse marchando. Ouvindo o barulho que  já conhecia tão bem, o menino corria ao encontro do amigo. Vinha em seguida um bate papo com meus pais e quem o visse conversando tão calmo e fazendo agrados a meu irmão não reconheceria nele o Bernardo da repartição. Tempos preciosos que merecem ser recordados, gotas de felicidade em meio as dificuldades tão comuns naquele tempo.
Anos depois, já na adolescência, convivi com o Vino, apelido pelo  qual era conhecido o José Dirceu Bittencourt. Colegas de bancos escolares passamos a conviver como membros
de grupos de jovens alguns já fazendo seus estudos em Curitiba e outros aqui permanecendo. Vino  possuía  uma qualidade incomum. Era imbatível na arte de fazer rir quando desfiava o anedotário do seu imenso repertório.E o mais interessante: quem ria mais forte e com mais gosto das anedotas que contava era ele próprio.  Ele dava  gargalhadas tão gostosas que  nós, que o ouvíamos, não ríamos apenas das anedotas que ele contava, mas também e principalmente, das gostosas gargalhadas que ele dava e que, por serem contagiantes, faziam-nos rir em dobro. De tanto rir eu ficava com a garganta dolorida cada vez que me encontrava com o Vino.
         De tempos em tempos, cada um pegando seu rumo demorávamos a nos encontrar. Mas quando o encontro acontecia  ele logo ia perguntando :
         -Já conhece a última?  E eu:
         -Ainda não.
        Aí ele começava a contar. A medida que ele contava e com desfecho já previsível eu começava a rir. E ele ao me ouvir começava também a rir e logo a gargalhar. Não demorava e nos dois estávamos gargalhando quando a anedota mal havia começado. As gargalhadas do Vino eram fortes e com a maior facilidade alcançavam uma quadra. Se acaso estava nas proximidades e percebia o exagero,  dona Iracema,(*)  que além de irmã era também um pouco de mãe, muito zelosa advertia:
         -Vinooooo!
E ele muito respeitoso, imediatamente moderava a voz.
         Bons tempos aqueles! Tínhamos junto de nós um mensageiro de alegria. Mas, acima de tudo um grande amigo. Onde estará ele agora? Do lado de lá, dizem uns. No andar de cima dizem outros. É assim que nos referimos àqueles companheiros que nos deixaram pelo processo biológico da morte física. Fazendo o que? Arrisco uma resposta:  alegrando corações com a habilidade que ele, como ninguém, possuia . Sim porque lá, como aqui, há legiões de pessoas tristes, necessitando da terapia do riso que , em nosso plano,  começa a ganhar força, mas que lá é recurso precioso utilizado no quotidiano. E o Vino que  com as suas anedotas, provocava o riso por diletantismo,  agora certamente o faz por dever de solidariedade.Com anedotas  mais bem comportadas. É natural. Quando passamos para o lado de lá temos uma visão mais ampla das realidades espirituais e adequamos nosso comportamento às necessidades nesse campo.
         Queira Deus que um dia, como espíritos eternos que somos, em qualquer dos planos de vida em que nos encontremos, nossos caminhos, meu e do Vino¸ novamente se cruzem e possamos recordar aquela  convivência que tivemos e que tanta alegria nos proporcionou. Com anedotas e gargalhadas bem comportadas.

         Amigos, até a próxima.
         Prof. Nazir  
          
(*) Iracema Bittencourt, educadora com longa atuação em nosso município, hoje desfrutando de merecida aposentadoria.