Neste blog, iniciado em
fevereiro de 2011, constam episódios de minha vida pessoal, de fatos
acontecidos na comunidade onde sempre vivi, das instituições escolares,
assistenciais e de outras naturezas onde atuei, de um dos fragmentos de minha
história familiar, na qual me deterei no capítulo de hoje.
De meu casamento em 1953,
nasceram, Mauricio em 1954 e Marisa em 1960. Do casamento deles, cinco netos
alegram os nossos dias: Leonardo e Gustavo da parte de Maurício e Cristina;
Bruno, Luciano e Taís da parte de Marisa e Odilon.
De todos eles tenho
recebido inequívocas demonstrações de amor e carinho. Hoje, no entanto,
Maurício será o foco principal destas publicações, pelos acontecimentos que
cercaram sua vida, pelas qualidades de liderança e dedicação nos trabalhos de
cunho social a que se entregou como profissional de engenharia agronômica, e
pela competência que lhe valeram sucessivos cargos de chefia nos núcleos
regionais de agricultura e correlatos, tanto interioranos como da capital do Estado
e finalmente pelo seu falecimento trágico em Moçambique, ex-colônia portuguesa
no continente africano onde se encontrava em plena atividade, nos trabalhos de
assentamento de refugiados de guerra e que o inseriram nos anais da
história da formação daquele país.
Seu último cargo, antes da
partida para Moçambique, foi o de Secretário da Agricultura e Abastecimento do
Estado do Paraná, assumido em substituição ao Sr. Jorge Sameck que se
desincompatibilizara, para concorrer como candidato a deputado federal, em
1988, no final do Governo Roberto Requião. Encerrado o período governamental
Maurício poderia voltar ao Instituto de Terras e Cartografia aos quadros do
qual pertencia, ou atender convite partido da administração de outros estados
para implantar neles o programa dos mercadões populares. Preferiu aceitar a
proposta de seus dois grandes amigos, Joaquim Severino e Luiz Alberto Scorsin
para trabalhar na empresa da qual eram titulares, a AGRÁRIA – Engenharia e
Consultoria. Aceitou e meses depois, mais precisamente, em maio de 1989,
embarcava para Moçambique.
Abro agora um espaço para
falar de três pessoas, duas delas, Joaquim e Escorsin, grandes amigos do
Maurício e que se tornaram amigos meus e uma terceira pessoa, o Sr. Sílvio
Galdino de Carvalho Lima, que fora o companheiro de meu filho no denominado
Projeto Nhamatanda destinado a atender milhares de famílias deslocadas pela
guerra e assentadas em condições precárias numa área denominada Corredor de
Beira. Eu só conhecia o Sílvio pelo artigo por ele escrito e que foi publicado
no “Informativo Agronômico”, em agosto de 1989, com o título “UMA VIDA PELA
PROFISSÃO”. Nele, Sílvio traça o perfil do Maurício em atividade. Destaco esta
frase: “Seu jeito muito brasileiro de ser, comunicativo e alegre, cativou muito
fortemente todos os seus interlocutores. Testemunho vivo disso foi o que ouvi
do seu contraparte, principal auxiliar direto, Francisco Mangolange descrevendo
a emboscada na qual ele tomara parte sentado ao lado de Maurício, onde chorando
disse: “quisera ter sido eu em lugar do Maurício. ”Só vim a conhecer
pessoalmente o Sílvio quando ele, já de volta ao Brasil, foi-me apresentado
quando participávamos ambos de uma cerimônia religiosa em favor do
Maurício. Esse encontro e mais o “Diário de Moçambique” de autoria dele que eu
teria em minhas mãos, anos mais tarde, geraram em mim, como não podia deixar de
ser, fortes emoções.
Luiz Alberto Scorsin, já se
encontrava em Moçambique preparando documentos contratuais e projetos para o
início dos trabalhos quando lá chegaram Galdino e Maurício, para assumir a
execução do projeto. Dias depois regressava ao Brasil encerrando assim a sua
responsabilidade como introdutor. Scorsin foi o grande amigo com quem convivi
por um bom tempo. Encontrávamo-nos de tempos em tempos em Curitiba, almoçávamos
juntos, conversávamos muito procurando amenizar a dor da ausência do
Maurício. A minha como pai, a dele como amigo.
O artigo escrito por
Joaquim Severino Intitulado BRASILEIROS NA ÁFRICA, publicado no jornal
Indústria & Comércio, em Dezembro de 2011, em comemoração aos vinte e cinco
anos de existência da AGRÁRIA, homenageia Galdino e Maurício e dá-nos uma
idéia dos resultados da execução do Projeto Nhamatanda que se evidenciou com o
excedente de seis mil toneladas na produção de alimentos e foi
considerado pela Direção Nacional de Desenvolvimento Rural do país como
referência exitosa de ação integrada e consequente. Fala-nos ainda que “coube a
Sílvio Galdino, com a experiência e serenidade própria de um homem sábio,
repatriar o corpo do colega e seguir adiante com o projeto, ao invés de
desistir do mesmo como foi a ideia depois desse grande impacto.”
Imaginemos o que deve ter
sido para os brasileiros, integrantes do projeto, primeiro pelo impacto da
tragédia, depois pelas dificuldades para as providências relativas ao
transporte do corpo para o Brasil. Houve até uma reunião com as autoridades
moçambicanas para planejar como isso seria feito.
Ficou decidido que o
transporte de Beira (onde estava o corpo) para Maputo, a capital, a mil
quilômetros de distância, seria feito num taxi aéreo. Como o único avião
disponível estava em Maputo a viagem seria de ida e volta. Viria para Beira já
trazendo o caixão especial, a ser fechado e lacrado com a presença de
quatro autoridades. Tudo foi feito conforme o planejado. Às 18:30,
do dia 13 de julho de 1989, levando o corpo de meu filho, o avião decolou de
retorno a Maputo e de lá, no dia seguinte, em avião que faria conexão com o voo
da Varig, viajaria para o Brasil. O trabalho realizado pela equipe de Sílvio
Galdino visando o embarque do corpo, é descrito no diário, passo a passo, hora
a hora, minuto a minuto. O diário, por ser um trabalho meticuloso e revelador
da situação na vida do país naquela etapa, é um documento histórico valioso.
Transportemo-nos agora para
o Brasil. Aqui, como lá, a notícia só nos chegou no dia 12 de julho, uma
quarta-feira. Eu a recebi por um telefonema do Scorsin falando dum acidente sem
mencionar a morte, certamente para amenizar o impacto, mas sugerindo que
fôssemos a Curitiba para lá aguardar notícias mais detalhadas.
Em Curitiba a casa de meu
irmão Mussi ficou de portas abertas para receber todos os familiares e amigos,
com os telefones no aguardo das notícias, agora sobre o transporte do corpo,
uma vez que o falecimento já era do conhecimento de todos. Enquanto
aguardávamos não fazíamos ideia do trabalho exaustivo da equipe comandada por
Sílvio Galdino para, movendo céus e terras, colocar o corpo, já cumpridas todas
as formalidades legais, no avião que levantaria voo de retorno a Maputo, dando
por finda a parte que a eles cabia na triste tarefa.
Finalmente a notícia
aguardada. O corpo chegaria ao Aeroporto Afonso Pena na manhã do dia 15 de
julho, um sábado. Dirigimo-nos ao aeroporto, sentamo-nos na sala de espera
aguardando a chegada do avião da Varig. Difícil descrever o meu estado
emocional naquele momento. Cheguei a ver a urna funerária sendo descarregada.
Dali seguimos para o cemitério Iguaçu onde o corpo seria velado e dado á
sepultura às cinco horas da tarde. Atendi, desse modo, a solicitação de minha
nora Cristina, para sepultar o corpo em jazigo pertencente à família dela pois
havia a alternativa de sepultá-lo em Morretes. Por um desses enigmas da
natureza humana consegui manter-me sereno durante o tempo do velório e
sepultamento. Alguns quadros por mim presenciados fixaram-se em minha retina e
até hoje, ao evocá-los, a emoção me umedece os olhos. Destaco dois deles: a
chegada de coroas de flores enviadas por associações de moradores de bairros
pobres de Curitiba, beneficiados pelos mercadões populares, que tinham no
Maurício um dos articuladores e outro, à beira do jazigo, onde o corpo do pai
estava sendo depositado, meus netos Leonardo e Gustavo, com 8 e 6 anos
respectivamente, lançando sobre a urna funerária pequenos ramalhetes de
flores.
Ao lado do representante do
Governo de Moçambique, este com semblante triste mas postura firme, durante as
exéquias, Joaquim Severino inconsolável, pranteando aquele com o qual era
ligado, não apenas pela relação de trabalho mas também por solida amizade de
anos e anos. Misturados ao grande número de pessoas presentes, amigos de
Morretes, solidários conosco naquele momento difícil.
Encerro aqui a presente
edição sobre o assunto que comporta reflexões que se aprofundaram nestes 23,
quase 24 anos, já decorridos, daqueles acontecimentos com muitos episódios não
divulgados nesta publicação, mas que espero fazê-lo nas próximas.
Obrigado pela atenção
caríssimos leitores e até a próxima.
Prof. Nazir