segunda-feira, 10 de junho de 2013

MAURÍCIO, MEU FILHO(II)



Nas comemorações da Independência, realizadas no dia 7 de setembro de 1988, atendendo a solicitação das autoridades municipais de Morretes, pronunciei o discurso  relativo à data, em solenidade realizada na praça Rocha Pombo. Felizmente encontrei em meus arquivos uma cópia daquele discurso e hoje, ao relê-lo, surpreendo-me com o teor dele, dando-me fortes indícios de inspiração premonitória dos acontecimentos que estariam por vir. Na leitura da  transcrição abaixo, de trechos daquela peça oratória, peço aos meus estimados leitores que me acompanhem:

 “Descrever os acontecimentos que culminaram com a nossa independência política, seria fastidioso, uma vez que eles, são por todos nós, desde os bancos escolares, sobejamente conhecidos. Importa isto sim, rememorando o marco histórico fincado no longínquo ano de 1822, jornadear através da história, tirando, dos incontáveis episódios ocorridos, ilações para os dias atuais.
A história de um povo, que penosamente  galga os degraus da evolução, não se faz somente de altruísmos,  mas também, com lamentáveis atos de prepotência e dominação. Exemplifiquemos com o raciocínio que se segue.
Quando, em 1822, ganhamos a nossa liberdade e com entusiasmo chegamos a cantá-la em hinos, deveríamos, por nossa vez, tê-la dado aos negros que escravizávamos. Afinal, se éramos um povo que acalentava aspirações legítimas de emancipação, os negros também o eram, e aqui estavam a contragosto, arrancados à força dos seus lugares de origem. Que fizemos no entanto? Mantivemo-los em cativeiro ainda pelo dilatado espaço de 66 anos, e o horror desse vilipêndio contra uma raça, foi muito bem expresso pelo poeta Castro Alves.
Muito longe estamos de resgatar a enorme dívida nacional para com essa raça tão humilhada e tão sofrida, se levarmos em conta que os descendentes dos antigos escravos, constituem ainda agora, a maioria dos habitantes das favelas, dos subúrbios e das periferias de nossas cidades, limitados quase sempre às profissões mais sacrificiais e menos remuneradas, sofrendo ainda hoje, o disfarçado preconceito das maiorias
sociais.”

          Quando assim me pronunciei, nem de longe eu imaginava que, alguns meses depois, meu filho embarcaria para Moçambique, país de onde eram oriundos, no passado, grande número de escravos, caçados e vendidos para trabalhar em terras brasileiras. Era como se, depois de trabalhar em assentamentos aqui, contribuindo para  resgatar parte da dívida coletiva que  assumíramos, Maurício foi a uma das fontes fornecedoras de escravos no passado, para lá encerrar a missão de resgate, talvez individualmente assumida com  aquele país. Foi, diríamos, o epílogo de uma história linda, feita de dedicação, competência e muito amor. Hoje, substituímos as lágrimas, inevitáveis pelo vazio da ausência de uma criatura tão presente em nossas vidas, pela alegria do dever cumprido, por ele, pela galhardia com que levou até ao fim sua missão e por nós, amigos e familiares, pelo amparo moral tão necessário que pudemos dar-lhe em todos os momentos.
             Amigos, para não cansá-los, encerro o capítulo de hoje. Voltarei ao assunto na próxima postagem. Há ainda muito que dizer. Obrigado pela atenção e até a próxima.
           Prof. Nazir

5 comentários:

  1. Ótimo prof. Nazir.
    Gostei muito do fato histórico e das referencias carinhosas ao seu filho Mauricio.
    Abraços Diac. Narelvi.

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    1. Narelvi:
      Muito grato pelo seu comentário. Eu estava devendo para os meu amigos o relato de todos os acontecimentos sobre o Maurício. A reação dos leitores tem sido muito emocionante para mim.
      Um grande abraço do
      Prof. Nazir

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  2. Que lindo relato!Não dá para cansar,esperamos a próxima etapa.

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    1. Zeila:
      Obrigado pelo seu comentário sobre a segunda postagem que fiz sobre o Maurício. Fico feliz que tenha gostado.
      Abraços do
      Nazir

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  3. Nazir
    Relatando os acontecimentos que culminaram na morte do teu filho Maurício você mostrou um exemplo de grande coragem - imagino teu sofrimento ao recordar todo o episódio!
    Nesta segunda parte recorda um triste e longo período da nossa história e faz ligação com a vida e morte do filho. Excelente postagem.
    Abraços da
    Ligia

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