HISTÓRIAS DO RECANTO
(III)
Ano de
1981. O Recanto Fraterno, composto ainda,
em sua totalidade, por casas de madeira ,
fazia um atendimento generalizado, de acordo com a orientação adotada pelos
dirigentes, tanto da casa assistencial, como da Diretoria da
entidade mater, a União Espírita Jesus
Maria José. Assim, não apenas as
famílias em situação difícil, por motivo de viuvez, eram atendidas, como
também, mulheres com filhos, em situação de desamparo, levadas a essa condição
por fatores acidentais(abandono da parte dos maridos e situação familiar
precária nos casos da necessidade de socorro urgente).
Em um dia
que não posso precisar, do ano de
1981, à noitinha, recebi um telefonema.
Era da Delegacia da Polícia Civil. Alguém daquela repartição me solicitava
acomodação para uma família composta de mãe e quatro filhos menores. Narrou-me,
em breve relato, o caso. Um indivíduo fora pilhado tentando roubar um carro.
Surpreendido pelo próprio dono, fugiu, deixando para trás uma mulher e quatro crianças. A versão sobre o delito e
suas causas era de que o infeliz delinquente seria parceiro da mulher, queria
voltar para Curitiba e daí para Santo Angelo no Rio Grande do Sul, de onde
viera. Sem meios para tal, intentara
roubar o veículo para retornar. A tentativa de roubo e a fuga dele, para
evitar a prisão com todas as suas consequências, gerou um mal-entendido que deixaria a mulher e os filhos à mercê dos
acontecimentos, os quais deveriam traçar na história daquela mãe novos rumos à sua vida, até então bastante
atribulada. Esse mal-entendido será desfeito nesta crônica, quando daremos a
palavra à Dirlei, esse o nome da nossa personagem, para que ela dê a versão
verdadeira de tudo o que aconteceu naquele
dia.
O apelo que
recebi, era para que, pelo menos por aquela noite, mulher e filhos fossem
acomodados, a fim de evitar que passassem a
noite na Delegacia, local
totalmente inadequado para a permanência, principalmente de crianças.
Felizmente tinhamos uma casa vazia e nela, Dirlei e os filhos foram acomodados.
Isso foi há trinta anos. Impossivel portanto, guardar na memória os pequenos
detalhes, embora possamos, por dedução, dizer que toda a assistência foi
prestada para que a família, que entrava
para o rol dos nossos assistidos, pudesse dispor do principal , para aquele primeiro momento:
leitos e alimentação para todos.
Acomodada
numa das casinhas com os filhos, Dirlei, nos dias que se seguiram, examinando a
situação e convencida de que, a curto prazo, não teria como solucionar o seu
problema de trabalhar para sustentar os filhos, e morar pagando aluguel, após consulta à Direção do Recanto, obteve
permissão para lá permanecer por tempo indeterminado. Começou a trabalhar
como diarista nas casas que lhe davam serviço e ainda em outros lugares,
chegando também a prestar serviços em lavouras nos dias em que folgava no
trabalho das casas. Matriculou os filhos,
todos em idade escolar, nas escolas da cidade e prosseguiu
na lida, incansavelmente, para que nada faltasse a eles.
Cinco anos se
passaram. Com dois dos filhos já adolescentes, e ela trabalhando agora como
doméstica mas com carteira assinada, e como fruto do entendimento com a Direção
do Recanto Fraterno, Dirlei, resolveu que podia dispensar a assistência da
instituição e alugar uma casa. Então com o apoio dos dirigentes do Recanto,
conseguiu na rua Coronel Modesto uma,
cujo aluguel cabia no seu orçamento e fez a mudança.
A partir
daí, a família de Dirlei foi aos poucos se organizando, os filhos mais velhos
começaram a trabalhar, mudou de casa duas vezes, suas três filhas estão hoje casadas proporcionando a
ela, depois de uma longa jornada e muitas batalhas vencidas, a satisfação de
ver a família crescer com a vinda de sete netos. Conseguiu, pelas
qualidades reveladas
persistentemente nas tarefas que
desempenhou, um emprego, desta vez numa empresa, lá trabalhando até se
aposentar. Pela bravura com que enfrentou as adversidades, sagrando-se a grande vencedora que nela
reconhecemos, Dirlei mereceria, sem
favor nenhum, quando estamos há poucos dias de comemorar o Dia das Mães, o título de mulher símbolo pois, como ela,
dezenas, centenas, milhares de mulheres, têm assumido sozinhas os encargos
familiares, porque os maridos ou companheiros sumiram. Por isso me sinto
gratificado pela oportunidade destes relatos pois desse modo resgatamos a
verdade em torno da vida dessa valorosa mulher ao mesmo tempo em que mostramos
a validade do tipo de assistência que o Recanto Fraterno prestou durante tantos
anos de uma forma condizente com o tipo de necessidade a atender e às condições
da casa assistencial perfeitamente adaptada para tal.
Agora está com a palavra a Dirlei
para contar sua história :
-
Nasci em Ponta Grossa, neste Estado,tendo lá vivido meus períodos de
infância e juventude. Do homem que entrou em minha vida e com o qual tive o meu
primeiro relacionamento, nasceram-me os dois primeiros filhos: Fábio e Sílvia.
Essa relação, chegou ao fim por motivo de abandono por parte dele. Resolvi
tentar a sorte em Curitiba e com meus filhos fui morar numa peça que aluguei e
empreguei-me como zeladora num prédio
situado nas proximidades. Depois de alguns anos morando em Curitiba, fui, a
convite de uma amiga fazer um passeio que incluía Paranaguá e Morretes. Nesta última cidade
conheci o homem com o qual teria o meu segundo relacionamento. Convidada por
ele, fui para a cidade de Santo Ângelo no Rio Grande do Sul e lá vivendo com
esse novo companheiro pelo espaço de 7 anos, nasceram-me as duas últimas
filhas, Adriane e Juliana. No final desse período, tendo descoberto que meu
companheiro dividia o tempo entre a casa da família e casas de meretrício,
resolvi deixá-lo. Então voltei para o Paraná com os quatro filhos tendo se
juntado a nós um menino de 15 anos, filho da proprietária da casa onde eu
morara de aluguel. Com o consentimento da mãe e porque o menino aparentava ser
bom concordei que ele nos acompanhasse. O que eu não sabia é que ele, em Santo
Ângelo, já frequentara, com aquela idade, a escola do crime e que, contra ele já corriam inúmeros processos
pelo mais variados delitos. Viemos a Morretes e aqui chegando procurei minha
sogra buscando apoio para recomeçar minha vida. Ela nos recebeu mas de imediato
rejeitou a presença do garoto tendo ele tomado a decisão de voltar para Santo
Ângelo. Eu e meus filhos fomos acompanhá-lo até o embarque imaginando que ele
tomaria um ônibus para Curitiba para de lá embarcar para o Rio Grande do Sul. E
aí tivemos a surpresa de, pela tentativa de roubo e fuga do garoto sermos
envolvidos, e ficarmos detidos na Delegacia, naturalmente para averiguações. O
encaminhamento para o
Recanto
Fraterno foi uma bênção que nos permitiu retomar nossas vidas sob o
amparo daquela instituição. Hoje moro numa casa de aluguel muito confortável
alimentando a esperança de ainda ter minha
casa própria. Minhas três filhas estão casadas morando, a Silvia em Camboriu,
Santa Catarina, Adriane e Juliana em Curitiba e Fábio, o únaico filho homem,
ainda solteiro, mora comigo.
Retomo
agora a narrativa para as conclusões. Dessa jornada de trabalho exaustivo, de preocupações
constantes com os filhos, ficou pelo menos uma sequela preocupante: a dependência
de remédio dos chamados “ tarja preta”
já que os nervos cobram hoje o tributo de tantas situações difíceis
vividas no passado. Dirlei tem consciência
disso e por certo está enfrentando já,
esse novo desafio. Confiamos na sua garra tantas veze demonstrada, para descartar-se do recurso medicamentoso
que tão valioso(sejamos justos) lhe foi
no passado, mas que agora, tornou-se um fardo. Para a Dirlei, neste encerramento o meu
recado. Conte com a nossa solidariedade e nossas orações. Problemas familiares?
São raras as famílias que não os têm. Rusgas entre familiares principalmente
entre e mâes e filhos(as)? Bastar acionar uma alavanca chamada Amor e a paz
volta a reinar. Um cumprimento muito especial para você, Dirlei, pelo
Dia das Mães.
Aos meus leitores o agradecimento pela paciência de ler o que
escrevo. Até a próxima.
Prof Nazir
Prof Nazir
ResponderExcluirAgradecemos profundamente por sua atenção em nos contemplar com esta bela e comovente história.
Grande abraço
Bernardo e Alzira
Nazir
ResponderExcluirMuito bonita a história da Dirlei, felizmente exitem muitas Dirlei(s) pelo mundo.
Elas merecem nossos parabéns e orações.
Faço votos que ela consiga a casa própria onde possa viver em paz e com saúde.
Também gostei da tua postagem anterior, mas não tive oportunidade de registrar meu comentário.
As tuas PÁGINAS são sempre muito bem ESCOLHIDAS.
Abraços
Ligia
Oi Nazir..
ResponderExcluirParabéns, pela linda postagem desta mulher Dirlei, que vc contou sua história de vida relatando com detalhes da força e da garra desta mãe, criando e educando seus filhos, para serem cidadãos de bem e orgulho para toda a familia...
Obrigada pela homenagem que fez para as mães através desta linda mulher...
Te amo...
Querido Prof. Nazir,
ResponderExcluirque linda história e que gesto maravilhoso em dar espaço a Dirlei para que ela pudesse esclarecer tal fato do passado.
abraço largo
Veronica...